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Os grupos sanguíneos de Landsteiner

Desde sempre o Homem manifestou enorme fascínio pelo sangue. No entanto, o primeiro responsável pela interpretação do seu significado foi o médico austríaco Karl Landsteiner (1868/1943), distinguido com o Nobel da Fisiologia/Medicina de 1930 pela classificação dos grupos sanguíneos.

Apesar de os humanos sempre terem compreendido a importância do sangue para a manutenção da vida, durante muito tempo foram desconhecidas as razões que levavam a que, por vezes, as transfusões sanguíneas provocassem a morte.
A primeira transfusão conhecida em humanos foi realizada pelo médico francês Jean-Baptiste Denis, em 1667, usando sangue de um cordeiro. Mais tarde, nos anos 1800, as primeiras transfusões entre humanos foram realizadas pelo médico inglês James Blundell.
No entanto, como por vezes não resultavam, levando à morte dos pacientes, as transfusões eram consideradas bastante arriscadas em termos clínicos. Para a descoberta de Landsteiner muito contribuíram as investigações do alemão Leonard Landois, que, em 1875, ao misturar hemácias de um animal com soro de outro animal de espécie diversa, verificou que elas se agregavam, formando massas celulares, o que nada tinha a ver com o fenómeno de coagulação sanguínea. Verificou, também, que a reação de aglutinação ocorria quando sangue animal era misturado com sangue humano. À data, Landois pensou que a aglutinação era o que se verificaria no caso das transfusões mal sucedidas.
Em 1895, o investigador belga Jules Bordet descobriu que as reações de aglutinação constituíam uma resposta imunitária, afirmando que existiam substâncias no soro que se ligavam a proteínas sanguíneas identificadas como não próprias, tendo-as designado como “precipitinas” (hoje designadas anticorpos). No caso de essas proteínas existirem na superfície de microrganismos, os mesmos poderiam ser destruídos, mas se existissem na superfície das hemácias, isso levaria a reações de aglutinação. Após repetir e confirmar as experiências de Landois, Landsteiner decidiu misturar soro de um humano saudável com hemácias de outro humano também saudável, tendo verificado que, por vezes, ocorriam reações de aglutinação, o que não seria devido a nenhuma doença. Estas descobertas foram publicadas, primeiro sob a forma de uma pequena nota (1900) e depois em detalhe (1901), descrevendo a existência de três tipos ou grupos sanguíneos. Landsteiner descreveu que os indivíduos do grupo A possuíam na superfície das suas hemácias um determinado tipo de proteínas (hoje designadas antigénios), enquanto os do grupo B possuíam proteínas de superfície diferentes. O terceiro tipo, designado como grupo C (hoje grupo O), não apresentava nenhum tipo de proteínas.
Esta descoberta abriu caminho à explicação dos diferentes resultados nas transfusões sanguíneas. Landsteiner afirmou que, normalmente, o soro contém precipitinas (anticorpos) contra as proteínas (antigénios) que este não possui nas hemácias, sendo que transfusões entre indivíduos com o mesmo tipo de sangue não levam à ocorrência de reações de aglutinação, sendo seguras. Logo, transfusões entre indivíduos A e B não seriam possíveis. No caso dos indivíduos do grupo O, uma vez que as hemácias não possuem nenhum dos tipos de antigénios (A ou B), não há reações de aglutinação sempre que este sangue é transfusionado para qualquer outro indivíduo, sendo por isso classificados como dadores universais. Pelo contrário, uma vez que o soro dos indivíduos do grupo O possui anticorpos para ambos os antigénios (A e B), eles só podem receber sangue de outros indivíduos do grupo O.
Um ano depois, em 1902, dois colaboradores de Landsteiner identificaram um quarto tipo sanguíneo (AB), no qual se verificava a existência em conjunto dos dois tipos de antigénios, implicando que esses indivíduos apenas poderiam dar sangue a indivíduos do mesmo grupo, podendo, no entanto, recebê-lo de qualquer grupo, sendo por isso classificados como recetores universais.
Em 1907, Landsteiner desenvolveu um teste que permitia verificar a segurança de uma transfusão sanguínea. O teste consistia em misturar numa lâmina de vidro uma pequena amostra de sangue de um dador com o plasma de um recetor, verificando se ocorria reação de aglutinação ou não. A primeira transfusão sanguínea usando esse teste foi realizada pelo cirurgião americano Reuben Ottenberg, no Mt. Sinai Hospital, ainda em 1907. No entanto, as transfusões continuavam a ser raramente efetuadas, essencialmente porque não se conseguia conservar o sangue sem que sofresse o processo de coagulação.
Só em 1914 foi feita a descoberta que permitiu conservar o sangue por um período que poderia chegar a dez dias – a adição de citrato de sódio. Esta descoberta permitiu salvar a vida de muitos soldados durante a 1ª Guerra Mundial. Contudo, só a partir dos anos 30, devido aos avanços das técnicas de conservação, as transfusões passariam a ser efetuadas em larga escala. 

Departamento de Conteúdos Científicos do Visionarium


  
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Edição:

Edição N.º 200, série II
Primavera 2013

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