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Inflação dos diagnósticos: uma realidade em psicologia escolar?

Estaremos perante uma inflação dos diagnósticos por forma a contornar a limitação dos apoios prevista na Lei? A situação seria de verdadeiro “double bind”, caso não pudéssemos falar sobre ela…

Gregory Bateson propôs o conceito de double bind. Uma mensagem em double bind divide-se em duas ou mais mensagens contraditórias entre si. Eis um clássico exemplo:
– Não gostas de mim – queixa-se uma mãe.
O filho aproxima-se dela para a beijar. A mãe afasta-se negando a pretensão do filho, ouvindo de seguida a resposta.
– Mas afinal, queres ou não queres que goste de ti?
– O que estás a dizer?! – exaspera-se a mãe – Vai já para o quarto fazer os deveres.
Existem aqui dois níveis de mensagem que se excluem mutuamente.
A mãe pretende receber carinho do filho que é rechaçado quando se prontifica a ser afetuoso. É uma situação que mais paradoxal se torna quando o filho pretende explicações. Uma outra propriedade da mensagem em double bind consiste precisamente num tabu comunicacional. De facto, o filho não está autorizado a esclarecer a contradição; pelo contrário, foi obrigado a calar-se e a ficar no quarto com a sua tensão interior.
Findo o introito, aproximemo-nos do assunto que aqui nos traz – a função da psicologia na avaliação dos alunos com necessidades educativas especiais. Já anteriormente fizemos uma análise crítica da legislação, nomeadamente nas conexões que implica com os cuidados de saúde primários. Façamos agora uma apreciação do funcionamento da legislação e das implicações que ele tem para a psicologia.
Estaremos perante uma inflação dos diagnósticos por forma a contornar a limitação dos apoios prevista na Lei? A situação seria de verdadeiro “double bind”, caso não pudéssemos falar sobre ela…
A legislação (DL 3/2008) prevê apoio apenas para casos em que existem “alterações funcionais de carácter permanente, resultando em dificuldades continuadas”…
Sabemos, no entanto, que nestas faixas etárias, muitas destas situações são reversíveis ou de uma fluidez que não se deixa capturar facilmente num diagnóstico. Por exemplo, uma criança com rendimento cognitivo a nível da debilidade mental ligeira pode, meses ou anos mais tarde, interessar-se pelo meio circundante, envolver-se em situações de aprendizagem e sair do registo cognitivo anteriormente monitorizado.
Assim, mesmo no caso do rendimento cognitivo, as coisas não são claras e garantidas.
Chegamos, pois, a uma situação paradoxal em que duas mensagens contraditórias coexistem: é necessário que a situação seja considerada permanente e grave, de modo a que possa aceder a uma ajuda que reverta o percurso de aprendizagem.
O psicólogo tem que gerir a situação. Se um aluno não aprender, é porque deve ter algum problema. Deve ir ao psicólogo, mas ele… acha que a criança não tem nada? Se calhar tem, mas não a condição permanente, exigida para um apoio mais especializado de acordo com a lei.
Escrevo sem saber ao certo a dimensão deste problema. Recentemente, em processo de supervisão de colegas, surpreendi-me com a prioridade das preocupações. A aflição dirigia-se aos diagnósticos e não a uma verdadeira compreensão psicológica das situações.
Estaremos perante uma inflação dos diagnósticos por forma a contornar a limitação dos apoios prevista na Lei? A situação seria de verdadeiro double bind, caso não pudéssemos falar sobre ela…

Rui Tinoco


  
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Edição:

Edição N.º 199, série II
Inverno 2012

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