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Quem nos dera já a primavera!...

O inverno só agora chega, poisando sobre este tapete de folhas secas, rubras e douradas, que o outono nos trouxe e que nos inunda. E nós, gelados, a tentarmos inventar uns raios de sol. Nós inconformados, a tentarmos, sem cedências, quebrar o gelo que ameaça tolher-nos.

Vivemos tempos de uma dureza ímpar, assistimos ao avançar de uma onda de sofrimento que não pode deixar de atingir-nos até pela forma como começou por atingir os mais frágeis à nossa volta, porque alastra e sabemos que não parará senão pela denúncia vigorosa, pela ação solidária e firme, pelo progressivo despertar das consciências, pela inversão da escala de valores dominante e dominadora.
Neste número, falamos de quem, inesperadamente e como nunca antes, começou a sofrer as consequências de opções políticas devastadoras, colhendo o olhar de instituições – Coração da Cidade e Cáritas Diocesana do Porto – que lidam diretamente com esse sofrimento e tentam minorá-lo. Quem contacta, de tão perto, com esta realidade confirma-nos que há “rostos novos na linha de pobreza”, rostos de quem foi “apanhado de surpresa, num mundo sem capacidade de lhes oferecer trabalho, donde provinham os ganhos com que estavam habituados a pagar as suas despesas […], de repente, tudo mudou… Ninguém estava preparado para enfrentar este desastre social”. E as palavras que nos gelam: “É visível o sentimento de vergonha.” A injustiça incita-nos.
Quem nos dera já a primavera!...

Em tempos de ataque despudorado aos direitos básicos nos alicerces de uma cidadania plena, não podemos deixar de lançar um olhar atento ao que se passa com a Escola e à forma como, dissimuladamente, esse bem comum que é o conhecimento vai sendo considerado privilégio de alguns, como se nem todos pudessem aspirar à posse do saber e à afirmação da sua autonomia identitária. Como poderíamos conceder a alguém o direito de formatar desde tão cedo as capacidades e percursos vocacionais das crianças e jovens? Não podemos.
A este propósito, Manuel Matos afirma no seu artigo: “É caso para nos interrogarmos sobre o que tem andado o sistema a fazer até à chegada deste momento em que os ‘cursos vocacionais’ [no Ensino Básico] são apresentados e reconhecidos como os grandes redentores do sistema educativo português.”
A nossa entrevistada, professora Carlinda Leite, faz uma análise exaustiva das evoluções e involuções do sistema educativo português e vê no envolvimento dos professores um potencial de mudança credível, no combate por “um ensino regido pelos princípios da inclusão, da vivência democrática, da igualdade de oportunidades, da justiça social, da partilha.”
Entretanto, uma voz vinda da Grécia – tão próxima de nós, a Grécia!... – deixa-nos uma ideia para reflexão: “A Educação não é um problema de Economia, mas de Filosofia”. Elena Theodoropoulou, docente de Filosofia na Universidade do Mar Egeu, diz também: “Sob o pretexto da crise, as universidades vão mudar radicalmente. Mas quero acentuar que, além das questões estritamente administrativas que se colocam, o que se passa é que não há uma verdadeira filosofia para a Educação, que veja na Educação aquilo que realmente um povo pode querer para o seu futuro.”

Perante tão complexas encruzilhadas, apetece seguir a mensagem do poeta, que também entrevistamos, professor Albano Martins: “A poesia é a minha bússola”. Segui-la-emos, porque a poesia conforta-nos e alimenta-nos, mesmo quando nos traz saudade… de um outro poeta, Manuel António Pina, que evocamos de forma sentida.

Com este número de inverno encerramos a celebração do 20º aniversário da PÁGINA. Expressamos, uma vez mais, a nossa gratidão a todas e a todos que têm contribuído para a afirmação deste projeto que se torna tanto mais importante quanto mais agrestes ficam os dias.
Estes vinte anos são um bom estímulo para vencermos, solidariamente, todos os invernos.
Quem nos dera já a primavera!...

Ana Brito Jorge


  
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Edição:

Edição N.º 199, série II
Inverno 2012

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