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Novamente os Ghibli

Para a Aida, neta da Aida

Se pensarmos em qualquer das famílias de animação de Hollywood, todas têm uma personagem feminina no papel principal. Mas tentem encontrar uma que não seja princesa tipo Disney. Perceberam? Somos levados a pensar que estamos numa nova idade de ouro da animação, mas mais uma vez os rapazes são melhores do que as raparigas. Desde a primeira longa-metragem de animação de Hollywood, «Branca de Neve e os Sete Anões», as suas heroínas são do género pézinho no sapato de cristal. Este ano a Disney Princess é Rapunzel, mas, apesar de um pouco de atitude mais actualizada, o seu destino final é o costume – casar com um príncipe e viver feliz para sempre num meio patriarcal igual ao das suas antepassadas. As raparigas com aspirações, além de Kate Middleton, têm de olhar para o Japão.
«Arrietty» é o último produto Ghibli, o maior estúdio de cinema de animação do Japão. Mais conhecido por «A Viagem de Chihiro» (Urso de Ouro Berlim 2002 e Oscar para melhor longa-metragem de animação em 2003), os estúdios Ghibli são preguiçosamente chamados de Disney japonesa, mas a comparação só é verdadeira em termos de bilheteira; quando se passa para os conteúdos, os Ghibli são um mundo à parte. Desde 1984, sob a direcção de Hayao Miyazaki, os estúdios produziram fantasias densas e ambiciosas, quase todas lideradas por mulheres fortes, inteligentes e independentes. Os filmes de Miyazaki são excitantes e fantásticos, envolvendo muitas vezes máquinas voadoras, desastres ecológicos, choque de civilizações e precários valores espirituais – tudo junto numa animação limpa e feita à mão. As suas heroínas são aventureiras e activas, mas também piedosas, comunicativas, pacifistas e virtuosas. As suas qualidades “femininas” e inocência infantil resolvem crises e são pontes entre mundos. Miysaki também faz princesas, mas a primeira vez que vemos a Princesa Mononoke, ela está a chupar uma ferida de um lobo e a cuspir para um rio. Como explicou uma vez Miyazaki: “Se a história for tipo ‘tudo vai ficar bem se os vencermos’, então é melhor ter um homem como chefe. Mas, se formos por aí, então não temos outra escolha se não a de fazer tipo Indiana Jones, com um nazi ou alguém do estilo a fazer de ‘mau’”. “Ele pensa que o heroísmo é muito mais do que o preto e branco”, explica Helen McCarthy, autora britânica que tem escrito bastante sobre Miyazaki e a animação japonesa. “Fazendo do herói uma rapariga, tira aquilo de macho fora da equação e dá-lhe liberdade para examinar o heroismo. Os seus filmes assentam na ideia de que o feminino não exclui o heróico”. Crianças e sexualidade estão para além dos limites da cultura ocidental, mas nos filmes da Ghibli fazem parte da vida, sem nenhuma perversidade. A morte e a violência também nunca estão longe dos filmes de Miysaki. Com esta relacão aberta entre sexo e violência, podemos dizer que os Ghibli trabalham muito próximo dos contos de fadas europeus, que podem ser vistos como um código para o mundo que espera pelas crianças. A sociedade vitoriana adoçou os contos de fadas e, depois, a Disney acabou o trabalho, mas nas suas versões originais eles estavam cheios de horror. Isto não quer dizer que os filmes dos estúdios Ghibli sejam exemplares. Por trás das suas heroínas perfeitas, eles recorrem a arquétipos femininos, mesmo estereotipados: a avó sábia, o lar idealizado, a mãe sempre atenta… “Penso que há alguns elementos reaccionários no trabalho de Miyazaki”, diz McCarthy, “não anti-feminista, mas não na linha do pensamento feminista. Em muito do seu trabalho, está a dizer que os homens e as mulheres têm as suas funções sociais estabelecidas. Quando és criança tudo é possível, mas depois de adultas, as mulheres que fogem dessas regras passam por tempos muito difíceis”.


  
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Edição:

Edição N.º 194, série II
Outono 2011

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