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Educar para o Desporto

Por detrás da actividade docente de Educação Física e Desporto há um corpo de conhecimentos científicos caquético, obsoleto, doentiamente envelhecido, contra o qual vêm lutando alguns profissionais, que, contudo, não conseguem ultrapassar a ignorância de muitos políticos, nem a teimosia dos “especialistas” que fazem e propõem os currículos escolares.

Já o escrevi inúmeras vezes: o Desporto é o fenómeno cultural de maior magia, no mundo contemporâneo. Daí que haja desafios a ter em conta, para que o desenvolvimento desportivo aconteça, de acordo com os objectivos pedagógicos da prática desportiva. Grande parte da educação acontece na rua, nos jornais, no cinema, na televisão, no computador. Ora, o que a Informação mais distingue no Desporto é o desempenho dos atletas mais cotados, os seus carros, as suas espaventosas companheiras e... os erros dos árbitros! Na América do Norte, teve enorme sucesso o filme “Forrest Gump” (1994), em que um simpático idiota é transformado em herói. E, no entanto, o seu comportamento, nos estádios do futebol americano, é de uma antipatia doentia pelos árbitros. Na introdução ao livro «Dumbing Down: Essays on the Strip-Mining of American Culture», John Simon faz notar que toda a gente, nos EUA, sabe quem são Cassius Clay, Tiger Woods, Roger Federer, etc., mas poucos são os que já ouviram falar de Darwin, Dickens, Dante ou Shakespeare. Quer isto dizer que a Informação se ocupa unicamente de um desporto (ou pseudo-desporto) que reproduz e multiplica as taras da sociedade e não de uma prática desportiva donde despontem valores de forte carácter antropológico. Depois, a Escola, tão preocupada se encontra em desenvolver as qualidades físicas dos seus alunos (o que não está mal), que esquece que, para praticar desporto, as qualidades físicas não bastam, pois que as qualidades morais são também indispensáveis. Temos de reconhecer que, embora as excepções, os professores são tentados, pelo sistema que os governa, a serem conservadores e conformistas, no que respeita a conteúdos. E muitos deles aderem, julgando que cumprem escrupulosamente os seus deveres profissionais. Ora, por detrás da actividade docente dos professores de Educação Física e Desporto, há um corpo de conhecimentos científicos caquético, obsoleto, doentiamente envelhecido, contra o qual vêm lutando alguns profissionais desta área, mas que não conseguem ultrapassar a ignorância de muitos políticos, nem a teimosia dos “especialistas” (?) que fazem e propõem os currículos escolares. E por que digo eu que “há um corpo de conhecimentos científicos caquético, obsoleto, doentiamente envelhecido”? Porque o paradigma por que se regem está declaradamente errado, ou seja, manifestam não saber que a área da Educação Física e Desporto só como ciência social e humana pode entender-se, investigar-se, compreender-se. Os órgãos da Comunicação Social, hoje, ocupam-se da crise financeira que abala o mundo. E ouvem, a propósito, alguns economistas e financeiros, lançando um grito de alarme: “O pior da relação entre os mercados financeiros e a economia real ainda está para vir. O paradigma não vai mudar, já mudou. O mundo é um grande mercado sem Estado de Direito”. Augusto Mateus ponderou: “A actual crise já resulta de um novo paradigma económico, moldado por uma globalização financeira pouco regulada”. Sem fazer mais citações, julgo que todos elas abundam nesta opinião: o novo paradigma económico não tem valores de cooperação e solidariedade. Com o Desporto actual sucede outro tanto: há demasiada ausência de valores! Daí que, na Escola, a Educação Física e o Desporto devam fazer dos valores um dos seus temas preferidos. Até por esta razão: sem valores, há golos e defesas, há passes e remates, há técnicas e tácticas – mas não há Desporto! Educar para o Desporto é educar tendo em vista a complexidade humana e não só o físico e o biológico! Julgo que a primeira obrigação do árbitro é isto mesmo: defender os valores que animam o Desporto! Porque, com eles, há lealdade, há companheirismo, há respeito pelo adversário. Verdadeiramente, o árbitro, quando o é de facto, é um desportista exemplar, porque é o primeiro defensor da pureza da prática desportiva. E seria bom que as nossas alunas e os nossos alunos, desde jovens, se habituassem a respeitar o árbitro, porque na Escola aprenderam que o Desporto, sem valores, não é Desporto! Educar para o Desporto é educar para valores! O futebol é uma modalidade desportiva como as demais. Deve ter por isso uma missão prioritária: promover a formação de valores. Bem antes ainda do desenvolvimento das qualidades físicas! Aliás, eu tenho, para mim que, na alta competição, o treinador, antes dos treinos, deve fazer a si mesmo a seguinte questão: qual o tipo de homem que eu quero que nasça do treino que vou liderar? Porque é com valores e com homens com valores que o desporto tem rosto humano!

Manuel Sérgio


  
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Edição:

Edição N.º 194, série II
Outono 2011

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