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As dimensões subjectivas da qualidade de vida e do envelhecimento activo

“O que eu estou a ver não passa de uma capa. O mais importante é invisível…”
Antoine de Saint-Exupéry, O Principezinho

O envelhecimento demográfico é um fenómeno à escala global, embora tenha mais expressão nos países desenvolvidos. A população idosa está também a viver mais tempo. Na Europa, e em particular em Portugal, nas próximas décadas, este fenómeno irá acentuar-se. Sendo a idade mais do que uma variável cronológica, estas transformações têm e terão repercussões na sociedade, apresentando-nos múltiplos desafios, principalmente de natureza económica e social.
O discurso da velhice negativa promove a criação de estereótipos e a discriminação dos mais velhos: o idadismo [não existe tradução para “ageism”, expressão inglesa que significa preconceito quanto à idade, normalmente associado a idades mais avançadas]. Os idosos são assim desprovidos de singularidade e de identidade pessoal, pois a idade surge associada à identidade. Sabemos que, à medida que o tempo passa, acentuam-se as diferenças. O processo de envelhecimento implica uma (re)construção da(s) identidade(s), sendo esta(s) auto e heteroconstruída(s) (Vieira). É imperioso olhar para a velhice tal como ela é, reconhecendo o envelhecimento endógeno como um dos períodos do nosso ciclo vital e como um processo natural do declínio funcional do organismo, mas destacando os múltiplos factores exógenos que podem acelerar ou retardar o processo.
Numa sociedade tecnológica, estamos sempre à procura de algo que dê sentido e significado às nossas vidas, antecipando, esboçando projectos de vida. Sentimo-nos arrastados para um tempo prospectivo (Boutinet). Segundo Vieira, “nunca fazemos verdadeiramente o que projectamos. Ou melhor, o projecto, o projecto de vida, não é como o do engenheiro ou do arquitecto que, logo que acabado é mandado executar em conformidade. Na vida, o futuro é incerto e constrói-se a par e passo na vivência do presente. O futuro do ser é formulável mas não deter minável”. Esta busca acompanha as histórias de vida de cada um de nós. As fontes de sentido(s) e, consequentemente, os projectos de vida, serão diferentes de pessoa para pessoa (e até em períodos distintos, se falarmos do mesmo sujeito). A longevidade das vidas e a singularidade das trajectórias pessoais potenciam essa diversidade. Assim, as memórias dão a consistência ao presente para se formularem os projectos tendo em vista um futuro com mais qualidade. Deste modo, o projecto e a memória associam-se, dando sentido à vida, isto é, à própria identidade (Velho).
Envelhecer é um caminho ímpar que pode ser mais ou menos positivo. Em última análise, esta avaliação traduz-se na satisfação e na percepção de qualidade de vida. Associado a este conceito encontramos o de envelhecimento activo. Partindo dos pressupostos de que um envelhecimento activo deve permitir ao idoso “realizar o seu potencial de bem-estar físico, social e mental ao longo da vida, implicar-se na sociedade de acordo com as suas necessidades, desejos e capacidades e usufruir de protecção, segurança e cuidados adaptados às suas necessidades” (Organização Mundial de Saúde) e de que existem tantas formas de envelhecer quantos aqueles que envelhecem (Gusmão), afigurase-nos determinante o “factor individual (…) para se afirmar a inexistência de um caminho único de evolução, podendo diferentes pessoas percorrerem diferentes percursos de envelhecimento mantendo uma idêntica satisfação de vida e alcançando um idêntico sucesso” (Fonseca). Face ao exposto, entendemos que devemos atender ao mundo subjectivo dos idosos – aos valores, à intuição, às emoções e, acima de tudo, às histórias de vida (Vieira) – para compreendermos melhor a importância dos projectos nas suas vidas. Assim, enquanto técnicos de intervenção, cabe-nos a responsabilidade de alertar para a utilização acrítica de conceitos como os de envelhecimento activo e de qualidade de vida, uma vez que, com facilidade, estes se poderão cristalizar em visões etnocêntricas que, a jusante, influenciam a concepção e o desenvolvimento dos programas de promoção para um envelhecimento activo.

Dénis Conceição


  
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Edição:

Edição N.º 194, série II
Outono 2011

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