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Das competências básicas às provas de acesso à docência

As culturas e as práticas de ensino na educação básica e na formação de professores e o seu impacto na qualidade das aprendizagens dos alunos foram, ao longo dos últimos anos, objecto de intervenções críticas por parte do novo ministro da Educação. Talvez devido à assertividade de tais críticas, especificando os objetos dessas críticas, as reações contrárias foram débeis, desconexas e pouco consistentes

Ao colocar o enfoque do seu discurso, por exemplo, nos fracos resultados das aprendizagens dos alunos e ao objectivar possíveis causas – excessiva pedagogização da formação dos professores, desvalorização dos conhecimentos científicos e dos saberes específicos estruturantes das competências – [Nuno Crato] contribuiu para produzir uma significativa adesão das famílias e da sociedade civil, a par de silêncios ou de respostas isoladas por parte da comunidade das ciências da Educação. Estas incidências críticas colocam necessariamente no topo da agenda de política educativa, entre outros tópicos, mudanças ao nível da estrutura e conteúdos curriculares; da primazia dos conhecimentos, recolocando as didácticas como meio de apoio à gestão dos conteúdos e às aprendizagens; dos modelos e da qualidade da avaliação das aprendizagens dos alunos e do desempenho dos professores. É, pois, sem surpresas que são anunciadas medidas, através do reforço dos tempos letivos, para uma maior qualidade das aprendizagens em Língua Portuguesa e em Matemática no Ensino Básico. E, pelo lado da docência, anuncia-se a intenção de concretizar a realização de provas de ingresso na carreira docente, retomando os princípios e orientações dos decretos regulamentares 3/2008 e 27/2009.
No lado das aprendizagens dos alunos, são necessárias medidas de revalorização dos saberes e das competências básicas, para alguns consideradas conservadoras, porque reforçam o desenvolvimento dos níveis cognitivos aparentemente elementares, como a memorização e a compreensão, e lembram a cartilha escolar de outros tempos. Mas, e poucos o podem contrariar com argumentos válidos, é um movimento pendular necessário em Educação e envolve alicerces necessários para a elaboração de competências cognitivas e sociais mais complexas por parte dos alunos. Quem tem experiência de alguns anos no Ensino Superior tem aí uma amostra estatisticamente significativa, com dados mais ou menos refletidos e discutidos, que demonstram que uma percentagem elevada de estudantes não dominam satisfatoriamente competências linguísticas ou matemáticas básicas que lhes permitam exprimir ideias com o mínimo de correção ou elaborar operações matemáticas elementares. No domínio das ciências humanas e sociais, faltam a muitos os saberes que lhes permitam elaborar análises sociais simples de situações do dia-a-dia. Silêncios ou explicações subjectivas e generalistas sobre estes fatos agravam ainda mais a situação.
Sobre a prova de acesso à profissão docente, reativou-se a controvérsia entre os que defendem e os que se opõem a tais provas. Num texto sobre este tema, publicado nesta revista, escrevi que a prova de ingresso surge, em primeiro lugar, como garantia para a entidade empregadora, de quem se espera que escolha candidatos com as disposições e competências para desempenhos de qualidade num domínio que diz respeito a toda a coletividade. É uma obrigação de quem deve agir em favor da qualidade da Educação e do bem estar de todos. Não parece necessário evocar outros sistemas educativos onde a prova de acesso, de diversos modos, já existe, nem outras áreas onde é uma condição indispensável para o acesso à profissão. A condição essencial é que a prova seja adequadamente concebida. O argumento de que a formação inicial, reconhecida pelo mesmo Estado que exige a prova de acesso, avalia e seria já a qualidade dos candidatos é falacioso. Ignora seguramente fatores de qualidade que são cruciais. Para quem tem estado envolvido na formação inicial de professores e de educadores em diversas instituições, é uma evidência que, actualmente, a qualidade dessa formação não tem, em todas elas, os níveis desejados de qualidade. Nem mesmo a esperada consolidação de um sistema credível de avaliação e acreditação virá assegurar uma plena equivalência de todas as variáveis da qualidade dos cursos e dos seus diplomados. Dentro dos parâmetros aceitáveis de avaliação dos cursos existirão sempre diferenças que se refletirão na qualidade dos seus diplomados. Nestas circunstâncias, a inexistência de provas de acesso adequadamente concebidas é, seguramente, geradora de injustiças na prestação de serviços educativos de qualidade aos nossos filhos e no acesso dos melhores à profissão docente.

Carlos Manuel Neves Cardoso


  
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Edição:

Edição N.º 194, série II
Outono 2011

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