Página  >  Edições  >  Edição N.º 193, série II  >  Sobre a inutilidade dos monólogos colectivos

Sobre a inutilidade dos monólogos colectivos

Acentuar o miserabilismo das condições de trabalho nas escolas para mostrar que não podem fazer o que a administração defende que eles poderiam e deveriam fazer – será este o discurso público que os professores deverão adoptar?

Num tempo em que, a reboque da crise da dívida soberana, se anda a tentar vender a ideia de que continuamos a viver em democracia mesmo que se faça tábua rasa dos direitos sociais que constituem uma das suas imagens de marca, importa reflectir sobre as implicações de alguns dos monólogos colectivos em função dos quais se alimenta a ilusão de um diálogo que, por não existir, permite evitar durante algum tempo o confronto com os problemas e, por isso, a procura de algum tipo de soluções.
O que se constata é que quem costuma beneficiar de tais monólogos são aqueles que detêm o poder, ainda que seja necessário reconhecer o paradoxo de serem os sujeitos que são os alvos do exercício desse poder que tendem a alimentar aqueles monólogos, provavelmente porque não se dão conta da ilusão atrás referida.
Trata-se de uma leitura ingénua acerca da nossa capacidade de influenciar o mundo, a qual deverá ser compreendida à luz de um equívoco, a de que só nos resta ser vítimas de um poder de cujo exercício estamos arredados. Acreditamos, por isso, que todos os nossos problemas se circunscrevem à senhora Angela Merkel quando propõe a redução do número de dias de férias como resposta ao processo de depredação política, económica e social que continuamos a designar por crise. Ou no senhor Vítor Constâncio, dito socialista e reputado economista, que defende a necessidade de se cumprirem, antes do prazo previsto, os objectivos do plano da troika, mesmo que isso signifique mais recessão e menos futuro. Poderíamos multiplicar até à exaustão o nome de outros personagens, mais e menos colunáveis, mais e menos evidentes, que poderiam ser evocados como actores que participam, de formas diversas, na construção do projecto de regressão civilizacional que marca o pulsar do início do novo milénio. Mas não é esse o tema que justifica este texto. Aqui e agora só nos interessa começar por perguntar se aqueles que se opõem a um tal estado de coisas não têm vindo a contribuir, mais por actos do que por omissões, para que um tal projecto se tenha vindo a consolidar.
É a partir desta preocupação nuclear que se explica o interesse pelos monólogos atrás mencionados, os quais nos servem para reflectir sobre um certo estilo de oposição que, como tentaremos comprovar, é inútil porque falha o alvo. Vem isto a propósito de um seminário em que um de nós esteve presente, onde se discutia a importância do papel do director de turma, entendido como personagem crucial para a afirmação de uma Escola verdadeiramente inclusiva, capaz, por isso, de contribuir para o sucesso educativo de todos os seus alunos. Nesse seminário ocorreu um facto bastante comum em acontecimentos do género. Viu-se o representante da direcção regional de educação a defender uma concepção inexequível sobre o papel do director de turma, atribuindo-lhe funções um tanto ou quanto megalómanas, e os professores, na plateia, a defenderem como a sua missão é verdadeiramente impossível.
Começou aqui o monólogo colectivo.
Um monólogo que tem a ver com a estratégia discursiva que acentua o miserabilismo das condições de trabalho dos professores nas escolas para mostrar que estes não podem fazer o que a administração defende que poderiam e deveriam fazer. Será este o discurso público que os professores deverão adoptar?
Não cremos. No intervalo, em conversa com os professores, soubemos que, apesar de as duas horas semanais de redução atribuídas aos directores de turma serem consideradas insuficientes para que possam realizar as tarefas próprias do cargo, esses professores, ao fim e ao cabo, não deixaram de cumprir e de realizar essas mesmas tarefas. Facto a que, afinal, não se conferiu visibilidade suficiente nas intervenções produzidas, apesar de poder ser utilizado como alavanca de um discurso reivindicativo onde, num primeiro momento, se afirmasse quer a possibilidade de se fazer melhor, quer a necessidade de se fazer o que tem de ser feito, e pode ser feito, de forma mais sustentada e consequente, a fim de, num segundo momento, se explicitarem as condições e os recursos necessários para suportar os compromissos que, entretanto, como professores decidimos assumir e tornar públicos no âmbito de um tal discurso reivindicativo.
Será, eventualmente, a partir desta postura afirmativa que se tornará possível discutir, e compreender melhor, como e quando as medidas prescritas pelas administrações central e local primam por eventual insensatez dos seus responsáveis e técnicos ou (se) por (sua) eventual hipocrisia, presente num discurso em que se exige um determinado serviço a partir da disponibilização de recursos que são insuficientes para que esse serviço possa cumprir-se.

Ariana Cosme
Rui Trindade


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

Edição N.º 193, série II
Verão 2011

Autoria:

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo