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"O currículo está longe de ser um território pacífico”

António Flávio Moreira é professor da Universidade Católica de Petrópolis, no Brasil, e um prestigiado investigador e autor na área do currículo e do multiculturalismo. Trabalhando, sobretudo, ao nível da docência e da formação de professores, bem como na orientação e coordenação de projectos de investigação, é um dos principais dinamizadores do encontro luso-brasileiro referido nas páginas anteriores.

Que balanço faz do colóquio realizado na FPCEUP?

Eu penso que o campo do currículo está a atravessar um momento de internacionalização, no qual investigadores de diversos países – ao mesmo tempo que preservam as suas tradições e buscam soluções para os problemas dos respectivos países – se unem e se articulam, procurando abrir-se a outras experiências, outras teorias e outras ideias. Este processo, no que se refere às relações entre Brasil e Portugal, tem sido facilitado, na minha opinião, pelos colóquios luso-brasileiros sobre questões curriculares, que já se realizam há dez anos e nos quais temos contado com um público renovado e aumentado a cada novo evento. Além do mais, penso que o nível geral dos encontros tem tido uma qualidade crescente, nomeadamente a nível dos trabalhos apresentados e das conferências, algumas das quais já contaram com contributos internacionais. Nessa medida, é um espaço que está a contribuir para essa troca e enriquecimento mútuo, que é afinal aquilo que faz avançar o conhecimento.

Porquê esse interesse crescente pelo currículo?

O campo do currículo é central em termos de Educação, ele é o coração da Escola, e nessa medida a sua importância é indiscutível. E essa importância tem levado a que a necessidade de debate seja cada vez mais reconhecida. Isso reflecte-se, nomeadamente, no número de investigações, dissertações e teses que abordam o currículo, que tem aumentado nos últimos anos, quer no Brasil, quer em Portugal.

Concorda com a ideia de que o currículo tem uma faceta política cada vez mais importante?

Com certeza. Ele sempre teve e sempre terá essa faceta, não há como negar nem negligenciar esse facto. Porque ele envolve opções referentes a conhecimento, a valores e a estratégias, a que tipo de homens e de mulheres se deseja formar, que tipo de sociedade se pretende ajudar a construir e que tipo de valores se deseja ver adoptados, sendo, portanto, uma discussão política. Essas decisões e esses debates são sempre perpassados por questões de poder, por vozes que tentam fazer-se ouvir com mais intensidade do que outras. E o currículo está longe de ser um território pacífico – ele envolve sempre conflito, discussão, negociação, algumas vezes acordo, outras vezes desacordo, mas não pode ser, nem nunca será, um território neutro ou pacífico.

Defende um maior protagonismo do poder local e das próprias escolas na definição tanto das políticas educativas como, por inerência, na definição do currículo. O que implica essa perspectiva?

Durante muito tempo, a estratégia para planeamento e definição dos currículos, no Brasil, e penso que igualmente noutros países, assentava na consulta ou na formação de um grupo de especialistas, que trabalhava numa sala do Ministério da Educação e apresentava posteriormente regulações e directrizes para todo o país. Apesar de isto já não acontecer assim, não considero, porém, que se deva passar agora para o extremo oposto, deixando que tudo corra ao sabor do ritmo, da vontade e dos interesses da Escola. Penso que é necessário haver um certo equilíbrio, alguma indução por parte do Governo e ao mesmo tempo uma vasta autonomia para que a Escola possa exercer a sua criatividade. O grande parceiro desta mudança terá de ser, na minha opinião, o órgão local de governação – no caso do Brasil, a Secretaria Local de Educação –, sem pretender que ele imponha pontos de vista ou decisões, mas que participe, de facto, como parceiro, trazendo recursos, ouvindo e apoiando a Escola. Na área da Educação nada é fácil, mas um processo como este será viável se conseguirmos entender que não se trata de subserviência de uma parte, nem de dominação de outra, mas sim de uma parceria.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

Edição N.º 190, série II
Outono 2010

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