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Atitude científica, factor básico da caminhada emancipatória

As questões relacionadas com o clima e as suas previsões a longo prazo, com a ciência em que estas se baseiam, em particular a celeuma que acabou por ser gerada em torno de uma forma de stick de hóquei, uma certeza dita “científica” sobre aquecimento global derivado de uma concentração crescente de CO2na atmosfera, que as malvadas das pessoas estão a provocar com as suas actividades e consumos; uma certeza “científica” que, depois de ter “subido” a uma quase verdade revelada, entrou em processo de dramática queda, de descredibilização dos estudos e investigações que tinham “criado” a previsão de um disruptivo aquecimento global...
Tais questões, quer o escrevente dizer, devem alertar-nos, a todos, mais uma vez, para a necessidade de deixarmos de olhar crédulos, maravilhados ou aterrados, para a Ciência, para os seus resultados, para as inovações “boas” ou “más” que dela resultam, para as predições absolutas de desgraças, para os estudos que todos os dias nos trazem mais uma verdade boa que nos vai mudar a vida se cumprirmos a preceito certas novas prescrições, para obtermos melhorias, para vivermos eternamente, para nos protegermos, isso mesmo, sobretudo, para tomarmos precauções, para fugirmos do risco, vivermos seguros, sem fazer asneiras contra as quais fomos avisados – e quem avisa, nosso amigo é –, como se fosse possível conseguirmos anular a probabilidade dos riscos ou tornar certos os efeitos das medidas tomadas. Enfim...
Enfim, temos definitivamente de nos libertar, emanciparmo-nos, do preconceito de autoridade do tipo das práticas mediáticas, incluindo de autoridade mediático-científica; autoridade que, sem mais, também ela nos comunica a verdade incontestável e nos protege dos males que possam ocorrer. Uma autoridade perante a qual estamos obrigados a reagir com um fiel automatismo de aceitação. Portanto, um tipo de autoridade que, por motivos de eficácia – evitando o claro debate, inclusive sonegando dados e obscurecendo práticas e métodos –, privilegia como “argumentação” contra os que se lhe opõem, contra os infamosos cépticos, o martelar de impositivos e excomungatórios slogans da espécie: “não escutem esses energúmenos ignorantes que se opõem ao mainstream que somos nós; esses que combatem os guardiões do templo que nós somos, declaradas autoridades académicas, intocáveis, que passámos por todos os testes que nos foram aplicados pelos nossos intocáveis pares, que temos às nossas ordens impolutos media que publicam as verdades científicas, quais novas bíblias”, etc.
E àqueles que modesta e curiosamente querem ver se percebem, se passam a conhecer, e se apresentam de forma submissa perante os sábios que nos revelam as incontestáveis verdades, àqueles que se dispõem a assistir a sessões de revelação das verdades por parte dos ratificados mestres: pois claro, têm toda a razão, a “divulgação da Ciência” de maneira acessível é um direito vosso (acessível a todos nós, os estúpidos bonzinhos?); faremos mostras nos museus, onde poderão testar alguns dispositivos, disporão de lunetas astronómicas nos locais de férias para olharem para os astros; apoiaremos a edição de belos livros profusamente ilustrados, atraentes, porque só assim se poderá captar o vosso interesse, tantas vezes desviado pela sensaboria dos textos tipo ensaio que vos querem pôr a pensar, a redescobrir a pólvora, a reinventar a roda, sei lá que mais...
É claro que este tipo divulgador de aproximação ao conhecimento científico também possui o seu quê de positivo, mas só até ao ponto em que não se torne num impedimento à genuína atitude científica de inquirição, dúvida, contestação. Pois é, vamos numa não terminada caminhada de emancipação que vem desde o Renascimento, posteriormente re-energizada no Século das Luzes.

Francisco Silva

Portugal Telecom


  
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Edição:

Edição N.º 189, série II
Verão 2010

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