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Educação Ambiental: dos 3DS ao novo-velho ABC

Do Desenvolvimento-Desigualdade-Destruição ambiental ao Amor-Biodiversidade (como diversidade da vida, também humana) Conflito/Cooperação/Comunidade/Cidadania.

Nós, seres humanos, somos apenas uma pequena partícula no espaço e no tempo. Ao longo da nossa existência como espécie, temos buscado não apenas a sobrevivência, mas também o desenvolvimento e a transformação (a nossa e a do mundo) dos ecossistemas que integramos e partilhamos.
Segundo o que hoje nos conta a história, fundamentalmente a partir do século XIX, onde começou a ter expressão a grande transformação tecnológica, a intervenção humana intensificou-se por todo o planeta. A par destas transformações, ocorreram importantes mudanças políticas, sociais, económicas, culturais e ambientais, grande parte associadas aos modelos de desenvolvimento da sociedade capitalista e liberal ou neoliberal, sobre os quais não nos vamos aqui deter.
Numa dinâmica de inter-relações complexa, verificou-se, gradualmente, um afastamento entre o Homem e a Natureza e talvez mesmo o afastamento, em alguns aspectos, dos outros seres da mesma espécie (contraditório à aproximação possibilitada pela comunicação digital) e ainda de si próprio.
Este jogo de forças, tendo possibilitado inúmeros desenvolvimentos e a melhoria das condições de vida do ser humano, perpetuou e, em alguns casos, agravou a pobreza e a exclusão social, bem como as desigualdades entre os países ditos desenvolvidos e os países em vias de desenvolvimento, e mesmo dentro destes. Como refere Caride [Educación Ambiental, Desarrollo y Pobreza: estrategias para “otra” globalización, 2004], vivemos num mundo marcado por grandes contrastes e injustiças, onde cerca de dois terços da população vivem na miséria, abandono e fome. É de salientar, contudo, que, embora em circunstâncias diferentes, pobres e ricos, esfomeados e sobrealimentados, indivíduos de países em desenvolvimento e indivíduos de países desenvolvidos, todos integram o mesmo planeta e vivenciam uma época histórica marcada por um conhecimento à escala global, apesar deste conhecimento não ser partilhado por todos e ser, frequentemente, manipulado pelos veículos da comunicação, à mercê do poder.
Recuando um pouco no tempo, no século XIX, surgem algumas vozes críticas dos efeitos nocivos e destruidores, associados aos novos processos de industrialização e urbanização, corporalizando-se num movimento conservacionista e protector da natureza que, ao longo do século, se foi abrindo à escala mundial. No século XX, os anos 60, marcados pelo lançamento da obra Primavera Silenciosa de Rachel Carson, constituíram um marco importante no despertar da consciência ecológica mundial. Seguiram-se alguns acontecimentos marcantes, entre os quais destacamos a Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano (1972); a Carta de Belgrado sobre Educação Ambiental (1975); a primeira conferência internacional dedicada à Educação Ambiental, em Tiblisi (1977); a publicação do Relatório Brundtland (1987); a Conferência da ONU sobre Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro (1992), onde se envolveu grande parte do mundo em busca do desenvolvimento sustentável e a proclamação da Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (DEDS, 2005-2014) pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 2002.
Estes são apenas alguns marcos visíveis na história da Educação Ambiental, que se enquadraram num contexto de transformações ambientais, culturais, económicas, espirituais, políticas, sociais, como referimos. Constituindo-se a Educação Ambiental como um “objecto hiper-complexo” que conjuga a actuação de diversas áreas científicas (ecologia, biologia, educação, etc.), passou-se de uma abordagem conservacionista a uma abordagem ambientalista, ecologista; de uma visão dicotómica entre o Homem e a Natureza a uma visão como um todo; oscilou-se entre o afastamento da esfera ambiental e as esferas cultural, económica, espiritual, política, social e uma integração de todas; problematizou-se entre uma visão organicista e holística e uma visão construtivista e da complexidade.
Actualmente, integram o campo da Educação Ambiental discursos e práticas divergentes, que contemplam aspectos das várias abordagens agora referidas, configurando um mapa das educações ambientais complexo e múltiplo. A este propósito, estamos de acordo com González Gaudiano [«Educação Ambiental. Horizontes Pedagógicos», 2006], quando afirma que, na actualidade, o campo da Educação Ambiental é caracterizado pelas seguintes tendências:

– persistem, ainda, em muitos educadores preocupações conservacionistas e ecológicas extremas (que negligenciam a dimensão social e económica dos problemas ambientais), bem como propostas que, apesar de aparentemente bem intencionadas, apresentam lacunas importantes, quer na sistematização, quer na adequação da sua orientação aos problemas e condições locais e regionais;

– apesar de ser considerado prioritário nos discursos, planos e declarações institucionais, verifica-se a desvalorização do papel da Educação Ambiental por parte das políticas públicas;

– a intenção de substituir a Educação Ambiental pela Educação para o Desenvolvimento Sustentável tem sido fonte de conflitos e alvo de fortes críticas, sobretudo pela opacidade e vacuidade do conceito de desenvolvimento sustentável e outros que integram a proposta, questionando as suas intenções e apontando também a falta de inovação da proposta relativamente a anteriores referentes no âmbito da Educação Ambiental.

Aparentemente, quase nada mudou. As expectativas que alguns alimentavam em relação a uma sociedade mais justa e solidária foram goradas, continuando a viver-se num supermercado económico e cultural em que uns globalizam e outros são globalizados. Contudo, há esperança e há sementes de mudança! Caber-nos-ia agora fazer a ponte entre as expressões referidas no título deste texto. Vamos, no entanto, deixar em aberto, possibilitar que as palavras sejam por si só tomadas em consideração e se transformem em acção, antes de serem levadas pelo vento!

Mariana Salgado Peres

Psicóloga, Doutoranda da Universidade de Santiago de Compostela


  
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Edição:

Edição N.º 188, série II
Primavera 2010

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