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Da literacia em saúde

Uma das estratégias fundamentais de empowerment para aumentar o controlo da população sobre a sua saúde, a sua aptidão para procurar informação e a sua competência para assumir essa responsabilidade, é a promoção da literacia em saúde. Como literacia em saúde referimo-nos à competência para tomar decisões relacionadas com a saúde nos mais diferentes contextos do quotidiano, seja em casa, no local de trabalho, na comunidade, no sistema de saúde, no comércio ou na esfera política.
Considera-se frequentemente que a literacia em saúde engloba quatro dimensões:

1. conhecimento básico em saúde, conhecimento e aplicação de comportamentos de promoção de saúde, protecção da saúde e prevenção da doença, primeiros socorros e cuidados ao próprio e à família;

2. competências para utilização dos sistemas de saúde e actuação adequada como parceiro dos profissionais;

3. competências de consumidor para tomar decisões na selecção e utilização de bens e serviços de saúde e acção de acordo com os direitos de consumidor, se necessário;

4. comportamento de decisão informada na esfera política, conhecimento dos direitos de saúde, participação activa na defesa de questões de saúde e filiação em organizaçõesde saúde e de doentes.

Estarão as escolas, a nível curricular, e as equipas de saúde escolar – responsáveis locais pela aplicação do vasto Programa Nacional de Saúde Escolar – a trabalhar todas estas dimensões nos futuros adultos? Centremo-nos apenas nos conhecimentos em saúde e nas competências para ter atitudes e comportamentos salutogénicos.
No que diz respeito à educação para a saúde, o currículo escolar e a informação passada pelos profissionais de saúde concorrem em grande desvantagem com outras duas fontes.
Por um lado, os anunciantes têm como alvo frequente as crianças e, ainda mais agressivamente, os jovens, havendo inclusivamente alguns esforços nacionais e internacionais para se limitar este tipo de publicidade. Num estudo norte-americano, por exemplo, estimou-se em mais de 20 mil milhões de euros por ano o dinheiro despendido tendo como alvo os adolescentes na televisão, revistas e internet, entre outros meios. Ou não fosse de 5 horas o tempo médio diário de exposição dos adolescentes aos media.
Por outro lado, é frequente encontrar erros graves quando é realizada a educação para a saúde pelos media, inclusivamente quando o propósito é apenas o de esclarecer os seus clientes. Este facto origina um novo tipo de crenças na comunidade, baseadas nos meios de comunicação, os quais curiosamente transmitem credibilidade aos conceitos transmitidos, apesar das frequentes contradições entre os agentes de informação ou do mesmo agente relativamente ao tempo em que a transmissão é realizada. Daí a importância de, nos programas de promoção de saúde, se proporcionar tempo aos alunos para analisarem como se constrói a publicidade e a desinformação, de modo a dar-lhes competência para a desconstruir e acrescentar ou contrapor aquilo que não é dito.
Há mais de 50 anos que as estratégias de marketing têm vindo a ser desenvolvidas e introduzidas na vida económica dos países industrializados para venda de produtos, criando desejos e necessidades no consumidor, de modo a controlarem a dinâmica do mercado. E alguns destes produtos afectam directamente a saúde. Actualmente, não existem anúncios televisivos ao tabaco e a bebidas alcoólicas – estas últimas, continuam, porém, a ser frequentemente patrocinadoras de festivais de Verão –, mas, apenas para citar alguns exemplos, todos os dias somos bombardeados com publicidade a alimentos e a medicamentos de venda livre. De qualquer modo, há formas de contornar a legislação, como o product placement, isto é, a colocação de produtos em filmes, séries e telenovelas, filmados em segundo plano.
Se a simples transmissão de informação não se traduz na mudança de atitudes e comportamentos, o marketing tem esse objectivo. É importante, portanto, considerar esta ferramenta quando se tem como finalidade a promoção da saúde, especialmente se a aliarmos a um programa estruturado.
O marketing social pode ser definido como a utilização de princípios e técnicas para a promoção de uma causa, ideia ou comportamento social. O marketing social em saúde tem vindo a ser utilizado, mas não com o investimento desejado e frequentemente sem um fio condutor. É fundamental que seja apelativo para o público-alvo, que tenha objectivos perfeitamente definidos e que equacione o que pode influenciar os comportamentos, de modo a poder-se responder a duas questões com perfeita clareza: o que se vai fazer e como?
Poderão os alunos ser um elemento-chave na concepção do marketing social em saúde que lhes é destinado? Na próxima revista, analisaremos como.

Nuno Pereira de Sousa

Médico de Saúde Pública


  
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Edição:

Edição N.º 188, série II
Primavera 2010

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