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A propósito dos 25 anos de A Nation at Risk e A Place Called School

Li «A Place Called School: Prospects for the Future», de John Goodlad, em 1985. O livro foi publicado em 1984 e contrastou com «A Nation at Risk: The Imperative for Educational Reform», um relatório com menos de 40 páginas, publicado em 1983 e produzido por uma vasta comissão nomeada por Ronald Reagan e liderada pelo Professor David Gardner.
Este relatório dava uma imagem catastrófica do sistema público de educação dos Estados Unidos da América. Apesar da controvérsia que gerou e das suas contradições e limitações, a verdade é que conseguiu que largos sectores da sociedade reconhecessem que havia um problema com a educação e com as aprendizagens de milhões de crianças e jovens americanos. Deste estrito ponto de vista, o relatório foi um sucesso: nunca, antes, tão largos sectores da sociedade tinham discutido tanto questões relativas à educação.
«A Place Called School» baseou-se na investigação mais extensiva e profunda que alguma vez se produziu sobre a Escola e sobre o que nela se faz e acontece. A partir de 38 escolas criteriosamente seleccionadas foram envolvidos cerca de 27.000 participantes: 17.163 alunos, 8.624 pais e 1.350 professores. Ao longo de cerca de um mês, mais de 20 investigadores observaram, de forma detalhada e intensiva, mais de 1.000 salas de aula. É, pelas melhores razões, um trabalho de referência para quem investiga e analisa os sistemas educativos e as escolas [há uma edição comemorativa dos 20 anos da primeira publicação: «A place called school (20th anniversary edition)», New York: McGraw-Hill].
Tal como outros relatórios, anteriores e futuros, «A Nation at Risk» fez um diagnóstico demolidor acerca do estado das escolas e apresentou um conjunto de recomendações no domínio dos conteúdos, das expectativas e standards, da utilização e distribuição do tempo escolar, do ensino e da liderança e responsabilidade fiscal. Mas, como normalmente acontece, pouco ou nada elaborou sobre a necessidade de mudar estruturalmente a Escola. Centrou-se sobretudo nos efeitos de uma educação inadequada, sem averiguar as respectivas causas.
As recomendações funcionavam como uma pressão sobre as escolas e os professores, para melhorarem o seu desempenho. Pensou-se que as escolas e os professores fariam um melhor trabalho com uma sociedade civil mais informada acerca dos problemas e com melhores e mais rigorosas políticas públicas (e.g., mais testes, mais normativos para aumentar os níveis de disciplina e de eficácia nas escolas, certificação de professores mais exigente, instituições de formação devidamente acreditadas). Em lado nenhum se fazia qualquer referência à necessidade de transformar a Escola.
A abordagem de Goodlad foi diferente. pois os seus esforços de investigação e de reflexão foram orientados para as causas do fracasso da escola pública norte-americana. A sua preocupação consistiu em compreender questões tais como as realidades das salas de aula, o desinteresse dos alunos e a organização e o funcionamento pedagógico das escolas. Ou seja, para Goodlad, era fundamental conhecer e compreender profundamente as escolas para que se pudesse reconstruir as suas práticas, culturas e ambientes. Talvez por isso mesmo, a sua investigação tenha tido em conta a cultura, o clima e as questões pedagógicas das escolas e das salas de aula, assim como as atitudes dos alunos perante a educação. Goodlad desocultou o que se passava nas escolas, não se abstendo de apresentar o seu pior e o seu melhor, mas nunca perdeu a noção da complexidade dos problemas e, por isso, reconhecia que “as escolas e as salas de aula não se podem compreender ou descrever de forma rigorosa e útil através da utilização do modelo simplista input-output da produção fabril, tantas vezes utilizado; elas serão melhor compreendidas como pequenas aldeias em que as pessoas interagem durante uma parte do dia num contexto relativamente constrangido e limitado”.
Passados cerca de 25 anos, continua a ser necessário repensar as aprendizagens, a organização e o funcionamento pedagógico das escolas, as salas de aula e os papéis de alunos e professores. Transformar e melhorar a vida nas pequenas aldeias, exige um ímpeto renovador e inovador nos processos de investigação: as escolas e salas de aula devem ser unidades de análise privilegiadas, as meta-teorias referentes essenciais de integração teórica e as novas racionalidades devem ser heurísticas alternativas às tradicionais dicotomias e ortodoxias metodológicas. Talvez assim se possam construir visões mais integradas, complexas e inteligíveis desses lugares chamados escolas...

Domingos Fernandes

 


  
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Edição:

Edição N.º 187, série II
Inverno 2009

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