Página  >  Edições  >  Edição N.º 186, série II  >  Uma educação para a solidariedade

Uma educação para a solidariedade

Os frutos colhidos pela Escola são, em si mesmo, também um estado de espírito de pessoas que se assumem livres e felizes, comprometidas pelo contributo para um mundo mais livre e feliz.

Na terminologia da política de educação é manifesto um certo pudor em relação à referência de valores como os da felicidade, da liberdade e da solidariedade. Em parte, esta omissão de tais valores, enquanto desígnios elementares da formação sobre que recai a responsabilidade da Escola, pode dever-se ao facto de se terem adquirido os pressupostos de que a felicidade cabe ao foro íntimo da pessoa, que de forma redutora a conquista de forma estritamente individual, como o de que a liberdade é uma virtude incontestável do regime democrático instituído, e de que a solidariedade se confina ao espaço restrito da moral e da necessidade em mitigar os males colectivos com o voluntarismo e o alívio do egoísmo que, por antítese, é reforçado pelos laços que a Escola induz. A reflexão que se exige, numa realidade global sobre que se opera a cada gesto, com cada decisão, à luz da intervenção ideológica e das práticas sociais, e municiados dos fluxos de comunicação e informação que são os catalisadores privilegiados das relações entre os povos, e dos seus efeitos, aquela reflexão, dizia, é a da forma em como os problemas e as conquistas do outro influenciam a nossa realidade pessoal. Um exercício que a compreensão das interacções sociais ajuda a contextualizar conforme a maturação intelectual que lhe está subjacente.
No plano restrito da teoria, a experiência de sociabilização que recai sobre o indivíduo no universo da Escola, e em que ela se inicia por excelência, tem por objectivo a aquisição de competências formais, de iniciação a códigos e cálculos, de interpretação, de iniciação no tempo e no espaço sobre que se alarga a compreensão conforme a criança se adapta. Nessa etapa preliminar, o primeiro exemplo de uma relação solidária emana da relação recíproca entre família e a Escola. Da intuição de que uma é extensão da outra, nas responsabilidades, nas rotinas, no ludismo, na complexidade da sua própria estrutura, resulta um benefício que não se restringe ao sucesso que se convencionou quantificar. Toda a prática de entreajuda, de sensibilização para a realidade social, de reforço da noção de capacidade instrumental para harmonizar aquela realidade, é o fundamento de uma aprendizagem em cuja razão se acredita. O sucesso das primeiras experiências de cooperação será porventura importante na atitude dos cidadãos responsáveis.
Contudo, se o relevo da figura da família-cooperante nos êxitos da aprendizagem é consensual, omite-se, por condição ou estatuto, a necessidade de um professor-amigo, do companheiro respeitado que não é senão o pedagogo. Aquele que, com a capacidade de abrir fronteiras para além dos curricula, atende à tão espontânea satisfação do ensino que estrutura a retórica, que é sensível à saciedade da curiosidade e revela as competências latentes dos discípulos. Será sobretudo esta dualidade que acrescenta o valor à política de educação, mas que, de todo, transcende a sua área restrita de intervenção. Poder-se-ia dizer que os frutos colhidos pela Escola são, em si mesmo, também um estado de espírito de pessoas que se assumem livres e felizes, comprometidas pelo contributo para um mundo mais livre e feliz.
O empenho e a aposta numa geração de homens honestos, conscientes, esclarecidos, livres dos constrangimentos do trabalho que se justifica e esgota na sobrevivência, inventivos e solidários, requer que se sedimente uma noção da responsabilidade.
Assim, todo o jovem adulto com imputabilidade jurídica e capacidade eleitoral não se pode abster dos conhecimentos inerentes à organização política e administrativa (sem qualquer laivo de catequização), como deve ter uma formação académica que integre a visão lata dos instrumentos ao dispor da sua profissionalização em prol da humanidade. Não se trata tão só de diluir as identidades culturais, mas de as reforçar na sobrevivência de um mundo em que a disparidade económica, e o mais que acarreta, se inverta no sentido dessa solidariedade que sendo fraterna é justa. Essa felicidade, a que todo o homem tem direito por natureza, não encerra nada de metafísico, tão pouco se persegue apenas com a postura missionária. Ela será produto de uma diplomacia cívica, que se baste na partilha do saber e das virtudes da ciência, que colha das soluções que suscitam as grandes questões do mundo com os gestos que a educação para a solidariedade e para a paz possam alimentar.
A política de educação não deve querer dar por feito um esforço que não foi começado, como não pode pedir competências para as quais não há objectivos colectivos concretos. À margem da sua gestão tem de privilegiar os interlocutores que possam acolher os formandos de modo que a que o universo da população activa em preparação tenha espaço, voz e a sua própria estratégia.
O último erro em que devemos incorrer é o de ignorar a importância em ouvir, dialogar, ou o de ignorar a única forma de ultrapassar obstáculos que não são fáceis: o esforço de equipa em que cada um de nós, na sua esfera de influência e de conhecimento, pode liderar. No dia em que houver bom senso serão os conselhos dos sábios a ser pedidos e considerados. E isto só poderá ser construído de raiz.

 

Luís Miguel Brandão
Vendeirinho

Luís Miguel Brandão Vendeirinho

 


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

Edição N.º 186, série II
Outono 2009

Autoria:

Luís Miguel Brandão Vendeirinho

Luís Miguel Brandão Vendeirinho

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo