Bem se esforçaram as editoras em promover alguns nomes desconhecidos, potencialmente capazes de agarrarem o testemunho mas, em boa verdade, faltou sempre um último fôlego...
À passagem do século anunciava-se o fim da narrativa portuguesa, mais concretamente do romance, como um dado adquirido. Certo é que uma plêiade de veteranos empreendedores não entregava os pontos, que a geração de João de Melo, Lídia Jorge, Rui Nunes, Hélia Correia e mais uns quantos, poucos, estabilizara no sucesso sem entrar em ruptura com os seus próprios modelos, de algum modo esgotados, e que a produção light e o livro de “pantalha” ocupavam a praça com desenvoltura e proveito, usurpando um estatuto que implicava o reconhecimento crítico para se ser considerado “escritor” e que, pior ainda, ajudavam a completar o trabalho que os “cangalheiros” da crítica nos jornais haviam cirurgicamente levado a cabo nos anos oitenta. O resultado parecia estar à vista. O estado eufórico-melancólico dos alarmistas profissionais radicava, creio eu, no facto de não se vislumbrar, entre os novos, quem pudesse assumir a liderança de um rumo para a nossa literatura compatível com um passado de grandeza, situação agravada pelo facto de alguns dos velhos intérpretes continuarem vivos – sãos, salvos e certos de entre eles a escreverem melhor do que nunca. Não se vislumbrava na paisagem, com efeito, o aparecimento de verdadeiros talentos que assegurassem a continuidade do esplendor antigo, embora num ou noutro caso pontual pudesse raiar uma esperança de resgate desse tesouro ameaçado de extinção. Bem se esforçaram as editoras em promover alguns nomes desconhecidos, potencialmente capazes de agarrarem o testemunho mas, em boa verdade, faltou sempre um último fôlego que transmitisse tranquilidade aos que esperavam uma vitória categórica desses leõezinhos sem garras alcandorados a génios pelo chinfrim da propaganda. Os anunciadores da hecatombe, por seu turno, multiplicavam as advertências de terror. A viragem do século, porém, coincidiu com uma viragem também na narrativa ficcional. A novela do “fim da literatura” que de tão gasta já quase ninguém lhe liga nenhuma, foi obrigada a incluir mais uns safanões na moribunda, que reagiu bem, ganhando uma alma nova graças a uns quantos bons romancistas que finalmente foram aparecendo. E agora? O que vamos fazer com eles? Exterminá-los antes que estraguem o negócio aos profetas da desgraça? Por favor, deixem lá a pobre coitada levantar a cabeça. Sim, a Dulce Maria Cardoso, o Gonçalo M. Tavares, a Filipa Melo, o Valter Hugo-mãe, já estão em campo para contrariar os prognósticos pessimistas. Ainda há muito jogo.
Nota: Textos bissextos- 3ª série: rubrica que por aqui tem andado desde 2004 surge agora com uma equipa refeita mas mantendo a diversidade das instituições de origem, das formações e dos posicionamentos político-educacionais/culturais. O sexteto de escritores, docentes e investigadores aqui estará em todos os números sazonais da (agora) revista a Página da educação. Naturalmente, os bissextos comprometem-se na continuação de uma rubrica eclética e diversificada no estilo e nas temáticas… procurando (ainda) uma partitura (im)possível.
Júlio Conrado
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