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Stephen R. Stoer: educação e mudança social

Faz este mês de Dezembro três anos que Stephen R. Stoer, Professor Catedrático da FPCEUP, investigador do Centro de Investigação e Intervenção Educativa (CIIIE), de que foi o primeiro director, e fundador/director da revista Educação, Sociedade & Culturas (ESC), nos deixou. Muitas têm sido as vozes e as palavras que têm vindo a chamar a atenção para a importância de Stoer no âmbito das Ciências da Educação e, sobretudo, da Sociologia da Educação. A própria Universidade do Porto, enquanto instituição, veio sublinhar essa mesma importância ao celebrá-lo, no passado ano de 2007, como Figura Eminente da UP. Neste final do ano, a Revista ESC está a lançar o seu número 26 com o título Stephen R. Stoer: textos escolhidos.
Lembrar Steve é lembrar o amigo, o professor, o investigador, o estimulante coordenador das diversas actividades académicas e de investigação; é lembrar a qualidade como prática (e não como mero slogan de gestão), o rigor e a intransigência em relação a qualquer 'facilidade' teórico-metodológica; é lembrar o seu propósito, discretamente gerido, de não só pensar a educação, mas também o de a transformar e, com ela, o mundo. Cartografar a sua obra no saber e na intervenção em educação é uma tarefa que é ela própria um projecto de investigação.
Quer como objecto de estudo, quer como desígnio político foi a questão da mudança social que estruturou e dinamizou o trabalho do sociólogo.
Stephen Stoer foi uma peça-chave na consolidação da Sociologia da Educação como disciplina académica em Portugal. Em conjunto com Sérgio Grácio e com Sacuntala Miranda, Stephen Stoer publicou (1983) duas colectâneas de textos de Sociologia da Educação importantes para a consolidação do campo, a primeira com o subtítulo Funções da Escola e Reprodução Social e a segunda, apenas com Sérgio Grácio, A Construção Social das Práticas Educativas.
Stoer chegou ao campo da educação pela via das teorias do Estado, investigando a forma como as estruturas políticas de tipo macro dinamizam políticas e práticas educativas. Foi esse o fio condutor quando, ainda nos anos 1980, com José Alberto Correia e Alan Stoleroff, analisava as políticas educativas desencadeadas pela reforma educativa, que então era central na agenda das políticas educativas em Portugal. Da mesma forma, no projecto de identificar a relação entre educação escolar e o trabalho num país de semi-periferia europeia (Stoer e Araújo, 1992, 2000) foi ainda a questão de como a educação articula/dinamiza a mudança social que esteve presente.
Com Luiza Cortesão desenvolveu significativos estudos sobre as dimensões política e educacional da educação inter-multicultural. A sua colaboração iria plasmar-se, designadamente, numa trilogia de que apenas o primeiro volume, Levantando a Pedra (1999), foi, até ao momento, publicado.
De assinalar também é a coerência com que articulava os seus pressupostos epistemológicos com a sua prática pedagógica. Em Os Lugares da Exclusão Social (livro publicado no Brasil pela Cortez Editora e na Alemanha, na Peter Lang, com o título de Theories of Social Exclusion), esclareceu liminarmente as suas assunções enquanto pedagogo:
(?) i) a promoção de uma articulação consciente entre a teoria e a prática, ii) a tensão dinâmica entre o instituído e o instituinte, e iii) um esforço para criar uma ligação entre o passado, presente e futuro, entre a acção e a investigação e entre a estrutura e a agência. Propomos, além disto, algo imodestamente, que se faça uma tentativa de, por um lado, subverter a subversão da acção pedagógica pela natureza reprodutiva do sistema educativo e, por outro lado, promover uma descentração da educação de forma a desafiar o seu imperialismo cultural e a sua tendência para ser etnocêntrica (2004).
Os seus últimos trabalhos centraram-se sobre as 'políticas das diferenças' e sobre as reconfigurações da educação, do Estado, da cidadania e da cultura numa época de globalização. Em 2005, ano da sua morte, publicou comigo A Diferença Somos Nós: a Gestão da Mudança Social e as Políticas Educativas e Sociais.
A ESC dedica a textos escolhidos de Stephen R. Stoer o seu nº 26. São textos apenas da autoria de Steve (ele que foi o 'mestre' das parcerias de escrita?) que procuram evidenciar a introdução de problemáticas e questões na investigação em educação, como o Estado, as políticas educativas e a mudança social na (semi)periferia europeia; a construção da escola de massas; a educação intercultural; a politização da cultura; a diferença, identidade e a construção da União Europeia. Trata-se não só de ilustrar a diversidade do seu trabalho e de documentar a continuidade das suas preocupações e problemáticas de eleição, mas também de, desejavelmente, recolocar no seio e nas dinâmicas da comunidade de investigadores em educação a originalidade heurística das suas perspectivas. Situadas na tensão entre a investigação e a acção em educação, essas propostas e vias abertas são a forma privilegiada de continuar a comunicar com Stephen R. Stoer.
Em Janeiro de 2002, iniciámos, os dois, esta coluna 'Reconfigurações', interrompida no ano seguinte ao seu desaparecimento. Agora, temos esta edição da ESC, mas, três anos volvidos, muitos de nós ainda esperam por Steve para, ao fim da tarde, tomar com ele um chá tranquilo.

António M. Magalhães


  
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Edição:

N.º 184
Ano 17, Dezembro 2008

Autoria:

António M. Magalhães
Univ. do Porto
António M. Magalhães
Univ. do Porto

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