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O Mundo a estourar? Não me parece, mas...

O sistema financeiro mundial está a estourar, a livre circulação da moeda, está a demonstrar a sua falência, a economia de mercado na sua versão capitalista selvagem, dos últimos 8 anos, está a demonstrar a sua total incapacidade em entender o mundo onde vive e está a suicidar-se.
O problema é que, estando nós numa economia crescentemente interdependente, parece que o capitalismo selvagem está a querer levar com ele o restante mundo. É o fim do capitalismo que se aproxima? Não, é o fim de uma certa forma de ver o mundo a que estamos a assistir somente. No entanto todos sofreremos com este resultado feito de incompetência, arrogância e desprezo pelo ser humano, visível em todos os debates entre economistas em volta da temática do Desenvolvimento.
Os Estados perderam o controlo das economias, em especial nas suas componentes financeiras e monetárias. Por outro lado, a livre circulação dos capitais, acompanhada pela proibição da livre circulação das pessoas e por uma limitada livre circulação de bens e serviços, limitada porque beneficiando somente um dos campos da economia, o dos países ricos, mostrou a sua impotência.
Não havendo Estados capazes de controlar, de regular, a livre circulação de capitais, esta tem de ser regulada por instância transnacionais, aceites pelos Estados e controladas também pelos cidadãos. Na verdade, a economia de bens e serviços já aprendeu que a economia são as Pessoas, mas a economia de capitais continua, teimosamente, a achar que as Pessoas não existem? senão para serem alvo de especulação.
Mas, por outro lado, os Estados terão, definitivamente, de entender que a livre circulação de bens e serviços não deve ser uma via de uma só orientação. Isto é têm de aceitar ganhos e percas, têm de reconhecer a livre circulação dos bens e serviços dos bens dos países menos desenvolvidos, em benefício dos mesmos e das Pessoas que neles vivem.
Entretanto, o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, defendeu que "a actual crise internacional demonstra que o G7 «não está a funcionar» e que deve ser aumentado para G14", gerando-se assim um «novo multilateralismo».
Curiosamente, tal expectativa, multilateralista, tem vindo, nos últimos anos, a ser fortemente contestada, em especial pelo Sr. Bush e pelos seus neoliberais, pois, indicia um caminho já não de desestatização, o seu, mas de regulamentação das actividades económicas internacionais, (razão pela qual o G7 se tem considerado bastante para a gestão desta Globalização, convém recordá-lo, com o apoio do FMI e do Banco Mundial (BM) também, as instâncias internacionais de suporte deste G7, diga-se).
Ora, agora, para Robert Zoellick o G7 passando para G14, deveria passar a incluir países como a China, Rússia, Arábia Saudita, Brasil, Índia, México e África do Sul, a par dos Estados Unidos, do Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Canadá e Japão, integrando as perspectivas dos países em desenvolvimento no grupo dominante do Mundo. Neste novo contexto de liderança mundial o G14 corresponderia, realce-se, a mais de 70 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) do mundo e a 62 por cento de toda a energia produzida. Também, Dominique Strauss-Kahn, director geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), num colóquio UE - América Latina, em Paris, entendeu referir que a resposta dada sábado pelos quatro membros europeus do G7 para travar a crise financeira iria no bom sentido.
Curiosamente, sentindo-se no direito de se ingerir nos negócios europeus, entendeu ainda assumir o seguinte recado, «Precisamos de uma resposta europeia coordenada (...), de uma linha de defesa colectiva», tendo também recordado que seria necessário evitar «decisões tomadas nos quatro cantos da Europa sem concertação», e defendendo que certas iniciativas tomadas isoladamente «nas últimas semanas não melhoram as coisas», (atitude reafirmada pelo ministro da Economia espanhola, Pedro Solbes, que lamentou esta segunda-feira o mesmo já que alguns países tinham tomado iniciativas individuais no quadro do Fundo de Garantia de Depósitos (FGD) que são «negativas», não as assumindo no quadro europeu), não deixou o director do FMI de continuar na sua linha não multilateralista e de grande patrão do Mundo.
Do lado português, Teixeira dos Santos, nosso ministro das Finanças, segundo afirmações em tempo de intervalo de uma reunião de ministros das Finanças, da União para a definição de uma estratégia comum europeia para esta crise, a posição é clara, a de uma posição comum na UE, sendo também certo que, «Uma coisa quero assegurar de uma forma clara a todos os portugueses. Aconteça o que acontecer, as poupanças dos portugueses em qualquer banco que opera em Portugal estão garantidas», sendo que, há «a necessidade de se dar o mesmo tipo de garantia» a todos os cidadãos europeus.
Outra nota importante, o ministro das Finanças português entendeu defender, e bem, que as equipas de gestão das instituições financeiras «devem ser responsabilizadas pelos actos que tenham cometido e que possam estar na base dos problemas que as instituições financeiras possam ter de enfrentar», o que é, ao que sei, a primeira vez que tal tema esteja a ser colocado na mesa da crise.
Já segundo Jean-Claude Trichet, patrão do Banco Central Europeu (BCE), o importante é assumir que este Banco irá continuar a injectar liquidez no sistema bancário pelo «tempo que for necessário».
Estas declarações feitas em tempo de colapso das bolsas mundiais no dia em que escrevo, com a bolsa de Moscovo a bater o recorde, ao registar uma queda de mais de 19 por cento, ou a bolsa de Lisboa a liderar as perdas, ao recuar mais de 9 por cento, a maior queda de sempre do PSI 20, são meramente defensivas e de sustentação do status quo, pois não prenunciam qualquer necessária reflexão sobre a crise e a forma de a debelar e não somente neutralizar impactos, o que é de lamentar vindo de quem vem?
Talvez por isso, se em Nova Iorque, Wall Street conseguiu travar a queda, depois de ter mergulhado quase 800 pontos durante a sessão desta segunda-feira, com o Dow Jones a perder 3,58 por cento e o Nasdaq 4,34 por cento, não se assista ao mesmo na Europa, pois, mesmo que tarde, os lideres financeiros, ou parte deles, americanos acordaram já para os fundamentos da crise e não só para a sua travagem ? o problema está na necessidade de uma gestão global para uma economia global.
Na verdade, o que está em jogo é muito mais que debelar a crise do sistema bancário mundial, é até muito mais que forçar á penalização de quem liderou esta desgraça, é mesmo ter-se de repensar o sistema mundial.
E o caminho do Presidente do Banco Mundial, ainda que tardio, é o único adequado. Por isso, vale a pena recordá-lo e divulgá-lo, mesmo até, exigi-lo. Vejamos, quer o mesmo presidente do Banco Mundial defendeu, como se viu já, a criação de «um novo multilateralismo», e que, o que é realmente essencial passaria por uma profunda reforma de instituições como o G7, o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial do Comércio.
Finalmente, diria eu!
Recordando a criação, em 1944, das instituições de Bretton Woods, Zoellick lembrou que os «fundadores do multilateralismo económico aproveitaram a oportunidade para construir um futuro melhor e nós não devemos ser menos ambiciosos hoje em dia», pelo que, segundo ele, «A nossa globalização necessita que tanto as oportunidades como as responsabilidades sejam amplamente partilhadas», o que o levou ainda a apelar a uma maior cooperação em áreas como os assuntos financeiros e económicos, a energia e o comércio.
Sendo dito por quem foi, fica mais bonito e convincente que por mim não é?... ainda assim, não duvidem, as resistências irão continuar. À direita, como se viu com as posições dos republicanos americanos, ou com as afirmações, reducionistas, do patrão do BCE e, à esquerda, com um já velho e impotente discurso anticapitalista?daí o Mas do titulo deste textinho.

Joffre Justino


  
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Edição:

N.º 183
Ano 17, Novembro 2008

Autoria:

Joffre Justino

Joffre Justino

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