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Os estímulos à emigração na organização social específica dos tsongas

O antropólogo Marvin Harris da Universidade de Colúmbia foi o primeiro a levantar uma série de factores interligados que estariam na organização social dos tsongas que explicariam essa corrente migratória e que os levou tão rapidamente a trocarem seu trabalho por moeda já que a sua cultura apresentava peculiaridades que não só os diferenciava dos restantes grupos étnicos como os colocava em posição de adoptarem uma posição mais favorável à emigração (Rita-Ferreira, 1963:17).
Os tsongas apresentam identificação cultural com os Chopes e os bi-tsongas. Os bi-tsongas são um povo essencialmente de pescadores e comerciantes sob a secular influência árabe e portuguesa. Os chopes viveram em aldeias fortificadas dedicando-se à agricultura dispunham de pouco gado bobino e habitavam zonas arborizadas e arenosas. Os tsongas eram pastores e caçadores de savana consideravam o trabalho agrícola coisa de mulheres. Estas distinções culturais são mais profundas e importantes do que vulgarmente se supõe e prova o facto de o fenómeno migratório ter desencadeado, entre os chopes, algumas repercussões.
É realçado ainda por Rita-Ferreira apoiando-se em Hilda Kuper no trabalho realizado junto aos bantu da África Austral, nomeadamente do grupo suazi, que após as diversas invasões militares angunes (zulus) ocorre uma mudança na unidade em torno do clã, pela vassalagem ao rei que suplantou a lealdade ao clã, dando origem a um sistema de governo na qual os clãs ficaram subordinados a uma organização política e militar centralizada e nas quais os tsongas ficaram inseridos.
O fato de entre os clãs tsongas o filho primogénito ser o herdeiro do clã e a herdar todo o gado teria levado os outros filhos varões a procurarem a economia monetária dos europeus considerando os ganhos monetários como contribuição para se levarem na escala social e económica. Rita-Ferreira (1963:21) assinala nos trabalhos de Junod, Schapera e Goodwin por exemplo, uma característica comum dos Bantu da África Austral, o facto de a propriedade e o trabalho do indivíduo não serem unicamente utilizados para satisfação das suas próprias necessidades e da sua população, mas deveriam, por vezes serem colocados á disposição dos parentes consanguíneos ou por aliança, observando-se o direito, não apenas à hospitalidade, mas também a oferendas variadas e à prestação de trabalhos, numa rede estreita de presentes, serviços e retribuições.
O chefe da povoação tinha a obrigação moral de prestar assistência aos seus dependentes no pagamento do lovolo. Depois da sua morte, o filho mais velho, na qualidade de principal herdeiro, herdava todo o gado que, utilizava para auxiliar os irmãos mais novos a lovolar as respectivas mulheres "grandes".
De acordo com Whitfield que estudou o direito consuetudinário com base na compilação de uma vastíssima jurisprudência dos tribunais indígenas, dedica um extenso capítulo ao estudo dos "sistemas familiares" dos bantus meridionais. É afirmado por Rita Ferreira (1963:22) que tal como Junod, Whitfield considera como dois princípios fundamentais da vida familiar dos tsongas:
· os direitos preeminentes e absolutos do ramo sénior;
· a comunhão de propriedade entre os irmãos.
O herdeiro principal era o tutor da família e, nessa qualidade, geria a propriedade comum obedecendo ao direito consuetudinário e não como único e pleno proprietário, segundo os preceitos do direito civil europeu. Ele é responsável pelas dívidas dos irmãos mais novos. Por outro lado, esses irmãos podiam conseguir a deposição do chefe da família por mau comportamento ou incompetência. E isso veio a acontecer na história da África Austral não só pela deposição do imperador Chaca como com Gungunhanya.
Contudo, ainda hoje, é sobretudo na sucessão dos cargos políticos que se ressalta, com grande nitidez, o princípio da comunhão de propriedade entre os irmãos. Pois de acordo com o direito tradicional, é nos irmãos mais novos que a sucessão se defere, ainda que mais na qualidade de regentes, já que o verdadeiro e legítimo herdeiro é o filho primogénito da primeira mulher do falecido. Assim, segundo Wihtfield tais regras mostram claramente o comunismo da vida familiar e da propriedade familiar, sempre sobre a supervisão do chefe da povoação. A seguir Rita-Ferreira (1963:51) faz uma análise a uma série de factores ou causas secundárias que embora de forma indirecta também favoreceram a emigração dos homens do Sul do Save. Assim são apontadas como questões indirectas que justificam esta corrente migratória:
· os chefes gentílicos no Sul do Save incentivavam o recrutamento dos seus súbditos para o trabalho nas minhas pois recebiam uma libra por cada homem recrutado. Além disso era prática dos chefes nas decisões dos tribunais consuetudinários cobrarem pesadas multas (2 a 5 libras por roubo, 30 libras por adultério com recusa de casamento, 5 libras por danos de campos, 8 libras por ofensas corporais, 25 libras por homicídio voluntário).
· o imposto de palhota embora seja considerado por vários estudiosos, como uma das principais razões que teriam levado os varões a emigrar, é algo que não se justifica, o imposto de apenas meia libra lançado por Mouzinho de Albuquerque, não teria fomentado a emigração dos trabalhadores tsongas e chopes. No entanto, o facto de os comandantes militares terem direito a uma percentagem deste imposto levou à prática de muitos abusos e a rebeliões da população contra o pagamento do imposto;
· as autoridades administrativas assumiam grande diferenciação no seu desempenho e na forma de exercer o poder pessoal, havendo imensos casos de abuso de poder, ao mesmo tempo que havia outros em que havia respeito mútuo entre as populações e os administradores e isto pode ter tido efeitos no aumento da emigração em certas regiões;
· causas psicológicas devido à derrota vergonhosa dos guerreiros do último imperador Gungunhanya e que ficaram sem ocupação e serem incapazes de se adaptar ao trabalho agrícola emigraram para o Transval Este e divididos em dois grupos principais, um chefiado por Pissane, tio de Gungunhanya, e outro por Guijá, estabeleceram-se respectivamente em Speloken e Devesha. Os guerreiros que ficaram em Moçambique consideraram o trabalho migratório no estrangeiro como uma solução menos desprestigiante. Uma outra causa é que a emigração se tornou um sucedâneo dos antigos ritos de iniciação e uma prova incontestável de masculinidade perante o sexo oposto.
A indústria mineira do rand, do mesmo jeito que outras actividades económicas na Republica da África do Sul e na África em geral foi edificada com base numa mão-de-obra indígena de reduzido custo, empregada em trabalhos não especializados. O aparente sucesso das minas sul-africanas deve-se não à quantidade de ouro existente mas sim ao baixo custo da mão-de-obra empregada. Para que a sua exploração seja rentável é preciso extrair mais de 70 milhões de toneladas a profundidades até aqui não alcançadas noutros lugares.

Maria Antónia Rocha da Fonseca Lopes


  
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Edição:

N.º 183
Ano 17, Novembro 2008

Autoria:

Maria Antónia Rocha da Fonseca Lopes
Fac. de Economia da Univ. Eduardo Mondlane, Moçambique
Maria Antónia Rocha da Fonseca Lopes
Fac. de Economia da Univ. Eduardo Mondlane, Moçambique

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