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Irene Lisboa nos cinquenta anos da sua morte

Irene Lisboa faleceu em 25 de Novembro de 1958 depois de uma vida literária passada na capital por entre muitas agruras e dissabores e sem ter assistido à reedição de qualquer dos seus livros. Mal posso lembrar que há muitos anos José Rodrigues Miguéis vaticinou que quando a mais-valia do tempo tivesse em definitivo cristalizado a sua obra de audácia e reticência, de anseio e pudor, «Irene Lisboa seria, toda ela, um documento humano de irrecusável pungência e beleza: e nenhuma obra de ficção poderá perdurar mais nem melhor do que as angústias que ela nos faz sentir e adivinhar».
Sim, o tempo passou, decorreram muitos anos sobre a sua morte física, e a obra literária de Irene Lisboa, na humildade da sua grandeza, tem sido reeditada na série de «Obras Completas», com o entusiasmo e rigor crítico de Paula Morão. É uma obra que está bem viva, na forma de intimidade e verdade que definiu muito bem a aventura literária da autora de Contarelos, fechada no seu próprio drama humano que soube transportar pela vida fora e fez dela um dos maiores escritores do século.
De facto, passados cinquenta anos sobre a sua morte, confirmado está que Irene Lisboa é uma prosadora que, vivendo em tempos de infortúnio e de miséria fascista que mais e sempre sobressaltaram a alma de uma Mulher sensível e simples, atenta ao mundo em que viveu o soube captar desse tempo cinzento um retrato amargurado e doloroso em muitas circunstâncias, ao longo de uma vida que só o não foi de coisa nenhuma por ter sabido preenchê-la, no aparente vazio do seu universo literário, com a profunda humanidade de um saber estar no mundo e ter olhos para ver, ouvir e não calar, nunca se calar, reinventando o mistério da vida e revalorizando o que tantas vezes não pôde ser valorizado, por ter desde o início do seu trajecto criador, como observou Óscar Lopes, «a preocupação dominante de não trair a vida por amor à arte, pela convicção de que a única obra de arte definitiva é a totalidade da vida humana».
Mas, apesar de nestes últimos anos ter crescido o interesse pela obra da autora de Solidão, a verdade é que ainda não foi de todo vencida a barreira de silêncio ou de esquecimento que envolve a sua obra, embora a edição em curso dos seus livros (de que Solidão II é o décimo título a ser incluído nas "Obras de Irene Lisboa") possa e deva consentir que os leitores de hoje descubram os segredos e prazer da leitura, porque no seu conjunto, a, a autora de Uma Mão Cheia de Nada merece ser colocada na primeira linha da nossa literatura, como um dos poucos escritores que conseguiu, com corajosa persistência e uma generosidade sem limites, redescobrir o amor das coisas simples, do dia-a-dia sem história, dos próprios actos fugazes ou na aparência sem importância de um quotidiano vivido em sobressalto. A apreensão desapiedada na fixação dos matizes que o sol da vida a todo o instante clarifica, a virilidade quase masculina e o atrevimento de captar, crua e corajosamente, tantas vezes, a realidade da vida suportada com heroísmo e arrogância, sempre em solidão, tudo isso faz a grandeza de uma Mulher que nasceu para a literatura, de uma Escritora que foi vencida pela «fada má» da sua estrela, mas soube suportar tudo talvez como remédio para as grandezas tornadas misérias de um dia e outro dia, deixando uma obra literária feita de atenção e de amor pelos outros, repetimos, onde o que é vivido poucas vezes se transfigura através de um processo literário que se relaciona mais com a própria intimidade do que com a literatura no sentido em que esta se entende (e aceita) tantas vezes, sem fazer grande sentido. Mas a verdade é que a obra de Irene Lisboa, sendo o retrato de uma vida mártir-e-glória-de-si-mesma, alcança momentos raros de expressão vivida e sentida por dentro, é a transposição em termos verdadeiros de um mundo que construiu na amargura dos dias, na existência de uma alma apenas entregue a si própria, vivendo as dores e sofrimentos de toda a gente que a rodeava, solidária e solitária, acabando por erguer uma obra à imagem e semelhança da sua vida, que aqui nos compete evocar cinquenta anos após a sua morte. Por favor, leiam as obras de Irene Lisboa!

Concepções Pedagógicas na Obra de Irene Lisboa
Luís Cardoso Teixeira
Profedições, 2006, 10 
Pedidos: livros@profedicoes.pt

Serafim Ferreira


  
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Edição:

N.º 183
Ano 17, Novembro 2008

Autoria:

Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.

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