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"Vai ser necessário investimento e mobilização por parte dos professores"

João Pedro da Ponte comenta o novo Programa de Matemática do Ensino Básico

O novo Programa de Matemática do Ensino Básico deverá entrar em vigor no próximo ano lectivo, substituindo os programas em vigor desde 1991. A medida inclui-se no Plano de Acção para a Matemática e consistiu na elaboração de um documento único para cada um dos ciclos do Ensino Básico. O processo de reestruturação foi coordenado por João Pedro da Ponte, professor do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e Lurdes Serrazina, professora da Escola Superior de Educação de Lisboa, e nele colaboraram outros sete investigadores. Neste Ponto de Encontro, João Pedro da Ponte dá-nos uma breve ideia dos seus conteúdos e finalidades.

Em que contexto surge este novo programa de Matemática do Ensino Básico?

Desde há muito que se sente a necessidade de um novo programa de Matemática no Ensino Básico, uma vez que os programas anteriores datam de 1990 (1.º ciclo) e 1991 (2.º e 3.º ciclos). Estes programas, na sua época, constituíram um progresso importante em relação aos precedentes, mas encontravam-se datados em muitos aspectos, não continham uma boa articulação entre os diferentes ciclos e tinham diversas incongruências com documentos curriculares mais recentes, como o Currículo Nacional de 2001. Deste modo, o Ministério da Educação decidiu contemplar este aspecto no Plano de Acção para a Matemática, lançado em 2006.

Trata-se de um reajustamento dos programas de 1990/91 ou foi pensado de forma a constituir algo completamente novo?

O programa que elaborámos constitui um reajustamento dos programas anteriores no sentido em que, em vez de se partir do zero, tomou-se como ponto de partida os programas que existiam. Na medida do possível, evitámos passar os conceitos e objectivos de aprendizagem visados de um ciclo para outro. No entanto, o programa que elaborámos é substancialmente novo em numerosos aspectos, por exemplo na ênfase que dá à Álgebra, que é reintroduzida como tema central, na abordagem dos Números, valorizando o sentido de número e o cálculo mental, da Geometria, valorizando o sentido espacial e as transformações geométricas, e na Organização e Tratamento de Dados, tema que surge agora em todos os ciclos. Outro aspecto inovador do programa é a atenção que dá às capacidades transversais ? resolução de problemas, raciocínio matemático e comunicação matemática ? e inovadora é também a sua estrutura e linguagem.
O programa representa um compromisso entre aquilo que os autores gostariam que acontecesse nas salas de aula e as condições existentes no nosso país, nas escolas e nas famílias, como o tempo disponível para a Matemática, o nível cultural da sociedade, o apoio que os encarregados de educação dão aos educandos, etc. Parece-me que conseguimos um compromisso aceitável, valorizando as capacidades transversais e perspectivando de forma bastante diferente o trabalho nos diversas temas. Conseguimos articular os três ciclos de um modo que me parece coerente e compreensível para os professores.

Quais são as suas principais linhas de orientação e objectivos primordiais?

O programa define claramente duas finalidades (ver caixa) para o ensino da Matemática, uma ligada à aprendizagem, compreensão e capacidade de utilização dos conceitos e processos matemáticos, e outra ligada à apreciação da Matemática por parte dos alunos. Para além disso, define nove objectivos gerais (ver caixa), que desenvolvem e concretizam estas finalidades. De uma forma breve, podemos dizer que se pretende que os alunos compreendam efectivamente os conceitos e processos matemáticos e sejam capazes de os usar nas mais diversas situações. Pretende-se, igualmente, que desenvolvam o gosto pela Matemática. Recusamos assim, a velha ideia que a Matemática é para decorar e que não interessa procurar compreendê-la. No meu entender, sem esta compreensão não é possível uma aplicação inteligente das ideias matemáticas nem o desenvolvimento de uma relação saudável com esta ciência.

Considera que o novo programa poderá em grande medida servir como catalisador para uma melhoria dos resultados na disciplina ou existirão outras medidas que podem ser tomadas para concretizar esse objectivo?

O novo programa, em si mesmo, não vai trazer grandes alterações aos resultados dos alunos em Matemática. No entanto, pode gerar um movimento de renovação das práticas de ensino, centradas em novos objectivos e formas de trabalho na sala de aula, que terão efeitos muito significativos nas aprendizagens dos alunos. Para que isso aconteça, é necessário todo um conjunto de condições, envolvendo a produção de materiais de apoio, oportunidades de formação, formas de trabalho colectivo dos professores nas escolas, etc., cuja organização e operacionalização estão a ser trabalhadas neste momento. Vai ser necessário, sobretudo, investimento e mobilização por parte dos professores.

Partindo das opiniões que com certeza tem ouvido, qual lhe parece ser, em geral, o grau de aceitação relativamente ao novo programa por parte dos professores?

O programa tem sido muito bem recebido pela generalidade dos professores. São muitos os que mostram interesse em conhecê-lo em pormenor e em saber como vai ser posto em prática. A procura das acções de formação referentes ao novo programa tem sido muito forte. Neste momento estas acções já envolveram mais de um milhar de professores e a receptividade dos professores às novas propostas tem sido muito positiva.
Na fase de discussão pública recebemos contributos muito úteis de muitos professores individualmente e de professores organizados por escolas, bem como de membros da comunidade científica, especialmente de matemáticos e estatísticos. Em função desses contributos clarificámos diversas passagens, simplificámos outras, corrigimos algumas gralhas, aperfeiçoámos aspectos menos conseguidos, e reduzimos num ou noutro ponto a extensão do Programa.

Considera que a melhoria dos resultados nos exames nacionais de Matemática em 2008 reflectem já as medidas tomadas no âmbito do Plano de Acção para a Matemática ou pode dizer-se que foram meramente conjunturais?

Parece-me que, em consequência do grande empenhamento dos professores ? estimulado em grande medida pelo Plano de Acção para a Matemática ? o ambiente nas escolas relativamente à Matemática já começou a mudar. Existe agora um sentido mais apurado que é imperioso que os alunos consigam de facto bons resultados na aprendizagem desta disciplina. Muitas escolas passaram a dedicar uma boa parte do tempo curricular que podem gerir de forma flexível para reforçar o ensino da Matemática. Em que medida os resultados dos exames nacionais de 2008 traduzem já esta nova realidade, é impossível responder com exactidão. Penso que se está a caminhar no sentido certo, mas precisamos de mais tempo para saber se estes resultados são realmente consistentes e duradoiros.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa

De acordo com o novo programa, o ensino da Matemática deverá ser orientado por duas finalidades fundamentais:

a) Promover a aquisição de informação, conhecimento e experiência em Matemática e o desenvolvimento da capacidade da sua integração e mobilização em contextos diversificados.

b) Desenvolver atitudes positivas face à Matemática e a capacidade de apreciar esta ciência.

E deverá ter em vista os seguintes objectivos gerais:

1. Os alunos devem conhecer os factos e procedimentos básicos da Matemática. Isto é, devem ser capazes de:
- ter presente e usar adequadamente as convenções matemáticas, incluindo a terminologia e as notações;
- efectuar procedimentos e algoritmos de cálculo rotineiros;
- reconhecer as figuras geométricas básicas;
- efectuar medições e realizar construções geométricas com um grau de precisão adequado;
- usar instrumentos matemáticos tais como réguas, esquadros, compassos, transferidores, e também calculadoras e computadores.

2. Os alunos devem desenvolver uma compreensão da Matemática. Isto é, devem ser capazes de:
- entender o significado dos conceitos, relacionando-os com outros conceitos matemáticos e não matemáticos;
- perceber a razão de ser dos algoritmos e procedimentos de rotina;
- reconhecer regularidades e compreender relações;
- acompanhar e analisar um raciocínio ou estratégia matemática.

3. Os alunos devem ser capazes de lidar com ideias matemáticas em diversas representações. Isto é, devem ser capazes de:
- ler e interpretar representações simbólicas, pictóricas, tabelas e gráficos, e apresentar
adequadamente informação em qualquer destas formas de representação;
- traduzir informação apresentada numa forma de representação para outra, em particular traduzir
para termos matemáticos informação apresentada em linguagem natural;
- elaborar e usar representações para registar, organizar e comunicar ideias matemáticas;
- usar representações para modelar, interpretar e analisar situações matemáticas e não
matemáticas, incluindo fenómenos naturais ou sociais.

4. Os alunos devem ser capazes de comunicar as suas ideias e interpretar as ideias dos outros, organizando e clarificando o seu pensamento matemático. Isto é, devem ser capazes de:
- interpretar enunciados matemáticos formulados oralmente e por escrito;
- usar a linguagem matemática para expressar as ideias matemáticas com precisão;
- descrever e explicar, oralmente e por escrito, as estratégias e procedimentos matemáticos que
utilizam e os resultados a que chegam;
- argumentar e discutir as argumentações de outros.

5. Os alunos devem ser capazes de raciocinar matematicamente usando os conceitos, representações e procedimentos matemáticos. Isto é, devem ser capazes de:
- seleccionar e usar fórmulas e métodos matemáticos para processar informação;
- reconhecer e apresentar generalizações matemáticas e exemplos e contra-exemplos de uma
afirmação;
- justificar os raciocínios que elaboram e as conclusões a que chegam;
- compreender o que constitui uma justificação e uma demonstração em Matemática e usar vários tipos de raciocínio e formas de demonstração;
- desenvolver e discutir argumentos matemáticos;
- formular e investigar conjecturas matemáticas.

6. Os alunos devem ser capazes de resolver problemas. Isto é, devem ser capazes de:
- compreender problemas em contextos matemáticos e não matemáticos e de os resolver
utilizando estratégias apropriadas;
- apreciar a plausibilidade dos resultados obtidos e a adequação ao contexto das soluções a que
chegam;
- monitorizar o seu trabalho e reflectir sobre a adequação das suas estratégias, reconhecendo
situações em que podem ser utilizadas estratégias diferentes;
- formular problemas.

7. Os alunos devem ser capazes de estabelecer conexões entre diferentes conceitos e relações matemáticas e também entre estes e situações não matemáticas. Isto é, devem ser capazes de:
- identificar e usar conexões entre ideias matemáticas;
- compreender como as ideias matemáticas se inter-relacionam, constituindo um todo;
- reconhecer e aplicar ideias matemáticas em contextos não matemáticos, construindo modelos matemáticos simples.

8. Os alunos devem ser capazes de fazer Matemática de modo autónomo. Isto é, devem ser capazes de:
- organizar informação por eles recolhida;
- identificar por si próprios questões e problemas em contextos variados e de os resolver
autonomamente;
- explorar regularidades e formular e investigar conjecturas matemáticas.

9. Os alunos devem ser capazes de apreciar a Matemática. Isto é, devem ser capazes de:
- reconhecer a importância da Matemática em outras disciplinas escolares e na vida diária;
- predispor-se a usar ideias e métodos matemáticos em situações do seu quotidiano e aplicá-las com sucesso;
- partilhar as suas experiências matemáticas;
- reconhecer a beleza das formas, regularidades e estruturas matemáticas;
- mostrar conhecimento da História da Matemática e ter apreço pelo seu contributo para a cultura e para o desenvolvimento da sociedade contemporânea.

(Retirado do site da Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular)


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 182
Ano 17, Outubro 2008

Autoria:

João Pedro Ponte
Professor na Faculdade de Ciências, Univ. de Lisboa
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
João Pedro Ponte
Professor na Faculdade de Ciências, Univ. de Lisboa
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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