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As políticas de cotas sociais e étnico-sociais originam múltiplas pedagogias

No Brasil, quando hoje se discute educação superior, não são raras as criticas às universidades públicas que adotam políticas de cotas sociais e étnico-raciais. Há quem diga que o ingresso de pessoas oriundas das classes populares, de negros, de indígenas afeta negativamente a excelência da produção acadêmica. Como responder a estas posições?
Respondo a esta questão a partir da experiência da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)[1], instituição onde atuo como professora e pesquisadora. Em seus 38 anos de atuação, A UFSCar tem estabelecido metas com vistas a orientar seus talentos e potencialidades - intelectuais, físicos, educacionais, científicos, tecnológicos - para construção de qualidade acadêmica aliada a compromisso social. Em outras palavras, um dos critérios para avaliação da excelência da produção acadêmica é sua vinculação com necessidades e anseios dos segmentos que compõem a sociedade, bem como suas repercussões na vida social. Assim, a produção acadêmica ? ensino, pesquisa e extensão - é considerada de qualidade se oferecer apoio consistente para solução de problemas sociais, econômicos, políticos, tecnológicos, se desenvolver reflexões e mostrar disposição para participar da garantia de direitos, superação de desigualdades, respeito a e valorização das diferenças étnico-raciais, combate a discriminações a pessoas e grupos.
Esta vocação que a UFSCar estabelece para si mesma, confirmada em seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), recebe diferentes interpretações na comunidade universitária, de acordo com visões de mundo, ideologias, referências científicas, projetos de sociedade, entendimentos, muitas vezes divergentes, do papel educativo e formativo da instituição universitária. Assim, por exemplo, enquanto alguns julgam que os docentes e pesquisadores constituem uma elite já formada que só tem de ensinar estudantes que devem conformar-se com o que lhes é apresentado; outros entendem que a relação pedagógica que se estabelece nas salas de aula, nos laboratórios, nas reuniões de estudos, nas atividades de extensão são oportunidades de estudantes e professores se educarem num processo dialógico.
Pode dizer-se que a reserva de vagas, alem de corrigir desigualdades educacionais históricas tem também conseqüências de ordem pedagógica. A presença de diversidade social e étnico-racial na universidade, desafia o corpo docente a buscar teorias pedagógicas que orientem procedimentos didáticos tendo em consideração a experiência de ser indígena, descendente de africanos, de europeus, de asiáticos.
Este é um dos desafios mais complexos a enfrentar. Há que ter disposição para decodificar, descobrir realidades, modos de ser, viver e pensar distintos daqueles tidos como hegemônicos nos ambientes universitários. Não se trata de tão somente descobrir, mas de respeitar e também valorizar, integrando-os ao universo acadêmico não apenas como objeto a ser investigado. Há que elaborar teorias que resultem de práxis na busca de compreensão de diferentes visões de mundo. Isto implica interferência na realidade, a partir de referências buscadas tanto nas ciências da educação como nas experiências vividas cotidianamente pelos implicados nos processos educativos ? estudantes e professores. Tais referências servem como bússola, orientando para identificar, compreender, para depois disto poder criticar, diferentes significados atribuídos à educação, à formação universitária e ao seu alcance.
As políticas de ações afirmativas tem implicações pedagógicas que dizem respeito, entre outras dimensões, a relações entre culturas, identidades étnico-raciais e sociais. A Pedagogia estuda, pesquisa pensamentos em educação. Os conhecimentos que produz têm servido de apoio à formulação de teorias da educação. Como exemplo, cito um eixo de estudos em Pedagogia, que vimos desenvolvendo no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFSCar - Teoria da Educação com aportes de Africanidades. Com estes estudos visamos à construção de ações pedagógicas que nasçam da experiência de ser, no caso dos negros brasileiros, descendentes dos africanos que, entre os séculos XVI e XIX, foram escravizados, arrancados de suas nações e que recriaram seus modos de ser e viver nos contatos, enfrentamentos com povos de outras raízes étnico-raciais, criaram modos próprios de ser africanos da diáspora no Brasil e de participar ativamente da construção da nação.
Deste trabalho vão surgindo pedagogias criticas. Pedagogias, no plural, uma vez que são criadas por diferentes movimentos sociais que com as suas propostas e ações interrogam a ciência Pedagogia, sempre que é produzida a partir de uma visão monocultural de sociedade. Tais pedagogias se constituem em processos educativos emancipatórios, gerados no interior dos movimentos sociais. Elas contradizem, conforme sublinha Miguel Arroyo, os processos educativos regulatórios, próprios das instituições escolares que visam classificar, selecionar os que "vão para frente" e os que "ficam pelo caminho".

[1] A mais antiga universidade pública, federal, localizada no interior do estado de São Paulo.

Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva


  
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Edição:

N.º 181
Ano 17, Agosto/Setembro 2008

Autoria:

Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva
Univ. Federal de São Carlos, Brasil
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva
Univ. Federal de São Carlos, Brasil

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