As declarações na véspera do ministro dos negócios estrangeiros brasileiro, Celso Amorim, comparando a atitude dos países ricos na Organização Mundial de Comércio (OMC) com a do chefe da propaganda nazi do Terceiro Reich, Joseph Goebbels, causaram mal-estar diplomático em Genebra na última semana de Julho. Na véspera do começo de uma semana crucial de negociações na OMC, destinada a alcançar um acordo histórico Norte-Sul sobre a liberalização do comércio, o porta-voz da delegação norte-americana, Sean Spicer, considerou "inoportunos" os comentários do ministro brasileiro. Durante uma conferencia de imprensa, concedida em 19 de Julho na sede da OMC, em Genebra, Celso Amorim criticou energicamente a atitude dos países ricos nas negociações, acusando-os de considerar que a questão agrícola já estava praticamente aceite pelos 152 países-membros. O ministro dos negócios estrangeiros brasileiro denunciou "o mito" de que os países ricos não tinham que fazer mais concessões na agricultura e de que o acordo final dependia apenas da boa vontade dos países do sul na questão dos produtos industriais. "Resta muito a fazer na agricultura", salientou Amorim, que citou Goebbels ("uma mentira repetida muitas vezes torna-se uma verdade"). Amorim insinuou que os países ricos usam a táctica nazi, de manipulação da informação, empolando as concessões agrícolas que se dispõem a fazer e criticando os países pobres por se negarem a abrir ainda mais os seus mercados à importação dos produtos oriundos dos países mais ricos. Segundo o porta-voz norte-americano, "no momento em que se tenta chegar a um clima favorável às negociações, esse tipo de afirmação do ministro é muito inoportuna". Ao referir-se à "história pessoal" da negociadora norte-americana Susan Schwab, filha de sobreviventes do Holocausto, o porta-voz Sean Spicer considerou que um ministro dos negócios estrangeiros deveria "considerar mais alguns sentimentos". Segundo a sua assessoria de imprensa, a intenção do ministro Amorim "foi mostrar que a propaganda se pode sobrepor e distorcer os factos históricos" e não fazer uma comparação entre pessoas. De acordo com o porta-voz de Amorim, Ricardo Neiva, o Ministro lamenta que Schwab ou qualquer outra pessoa se tenham ofendido com os seus comentários. O Brasil contesta, assim, os argumentos dos Estados Unidos (EUA) e da União Europeia (UE) que afirmam ter feito ofertas generosas no comércio de produtos agrícolas, enquanto os países em desenvolvimento ? no seu entender ? fizeram muito pouco para abrir os seus mercados aos produtos industrializados. Segundo nota do Itamaraty [Ministério dos Negócios Estrangeiros do Brasil], o Ministro Amorim foi suficientemente cuidadoso para desqualificar o autor da frase. A sua única intenção foi sublinhar que, por vezes, falsas versões repetidas com frequência podem sobrepor-se aos factos, e a propaganda pode suplantar a verdade. Amorim e Schwab participaram, entretanto num almoço organizado pelo director geral da OMC, Pascal Lamy, e no dia seguinte realizaram uma reunião a portas fechadas. Finalmente, a reunião entre ricos e pobres terminou sem entendimentos significativos e num clima nada cordial.
AFP
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