No filme Nenhum a menos Zhang Yimou (China, 1998) o professor da escola primária de Shuiquan tem de se ausentar durante um mês. O presidente da pequena aldeia, Tian, apenas consegue encontrar uma adolescente de 13 anos, Wei Minzhi, para o substituir. O professor Gao adverte-a para que não permita que mais alunos abandonem a escola, garantindo-lhe o pagamento de 50 yuan e mais um pequeno extra se for bem sucedida. Minzhi, pouco mais velha que alguns dos seus alunos (da 1ª á 4ª classe, numa turma única), pouco mais pode fazer do que escrever texto no quadro e ensinar uma ou outra canção. Mal a jovem professora se apresenta, uma pequena aluna é convidada a ingressar numa escola de desporto e, quase de imediato, Huike, um dos garotos mais difíceis de controlar nas aulas, é obrigado a ir trabalhar para a cidade, pois vive só com a mãe, que está doente e imersa em dívidas. Minzhi recusa-se a perder outro aluno. Aqui não há romance e nunca deixamos o ponto de vista de Wei Minzhi, cuja única preocupação é cumprir a sua função de professora, durante um mês, e, posteriormente, encontrar Huike, perdido algures na cidade. A obstinação da jovem é o ponto central deste filme que também mostra a dura realidade da educação no interior da China. Uma curiosidade é que todos os actores são amadores, a maioria interpretando seus "papéis" da vida real. O que nos chama a atenção, logo no início, é a pobreza da escola e dos seus frequentadores. É uma situação tão desesperadora que à professora só é permitido o uso de um giz por dia. Vários dos seus alunos dormem na escola, improvisando camas com as carteiras que usam durante o dia. Essa confusão de ambiente público e privado (escola e casa, respectivamente) traduz-se no cuidado e na valorização que os alunos dão às coisas mais simples, como o giz usado pela professora Wei. O primeiro motivo da evasão escolar é, então, apresentado: a menina atleta tem a chance de escapar da pobreza e, por mérito próprio, fazer parte das vitórias da nação chinesa. É, certamente, uma chance rara, única, que lhe possibilitará o acesso a outros lugares e a uma nova e melhor educação. Ao acontecer isso, porém, o outro lado se expõe com clareza: todos os alunos ficam, permanecem na escola miserável e, desta forma, estão excluídos de qualquer possibilidade de educação e salvação. Neste caso, um a menos na escola do professor Gao significa justamente o contrário. A menina é só mais uma que conseguiu escapar ao ciclo de pobreza que atinge todo o resto. A pobreza continuará fazendo vítimas. Agora ela é a causa direta da ausência de outro aluno, desta vez o menino Zhang, que parte para a cidade à procura de um emprego que possa sustentá-lo e à sua família. Este é o momento da grande virada da escolinha, que deixa de ser um celeiro de miséria para tornar-se o cenário de transformação, promovida pela união da professora e alunos. Sentindo que deve ir atrás do aluno extraviado, Wei e os alunos juntam-se ao redor de contas ela mesma não sabe resolvê-las que devem levá-la até à cidade para buscar Zhang. Depois das contas, vem o heróico esforço, promovido pelas crianças, de carregar tijolos para levantar o dinheiro necessário. Há quem veja nisso a exaltação do trabalho infantil, mas o que nos foi apresentado é justamente o contrário. São crianças que se sacrificam para salvar um colega. Se o trabalho infantil é uma das maiores causas da evasão escolar em todo o mundo, neste caso ele se apresentou como uma alternativa desesperada para acabar com o mal. Qualquer um dos alunos poderia ser o protagonista do drama vivido por Zhang; trata-se de um problema que, no fundo, é de todos. O que vimos foi a mobilização da sociedade em torno de um problema único, com as únicas armas infelizmente disponíveis a uma classe de crianças semi-analfabetas: carregar tijolos. O filme reforça a crise na educação como factor mundial. O mundo capitalista subdesenvolvido e desenvolvido, assim como o mundo socialista, representado pela China, sofrem suas conseqüências, prova de que a crise está acima de sistemas políticos. Mesmo num sistema supostamente igualitário, existem crianças atletas ou génios que escaparão à pobreza, assim como uma elite na própria China pode sair do país para assistir à Copa do Mundo. As verdadeiras soluções, no entanto, aparecem com o comprometimento de toda a sociedade com os problemas, transferindo-os da esfera privada para o âmbito público.
José de Sousa Miguel Lopes
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