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Os professores, a ministra e os alunos

De uma maneira geral, os professores têm consciência que na escolaridade básica de nove anos existe (e pratica-se) um certo facilitismo na avaliação dos alunos, facilitismo esse que decorre do facto dos discentes evidenciarem graves défices de aprendizagem, de estudo, de trabalho e de empenho responsável, o que "obriga" os professores a inflacionarem as notas para o descalabro não ser total.
Esta é a verdade nua e crua e quem o negar não está a ser sincero. Se, na realidade, os professores avaliassem com seriedade e rigor (vocábulos que não despertam estados eufóricos na ministra) o panorama seria ainda mais desolador. Mas a verdade é que Lurdes Rodrigues não quer, a partir de agora, que os alunos chumbem porque, segundo a senhora, não está provado que os ditos chumbos façam bem aos meninos(as) deixando-os(as) num limbo mortificador... (quantos e quantos alunos "agradeceram" pelo facto de terem reprovado! Só dessa forma puderam consolidar saberes e recuperar de atrasos na sua aprendizagem. Para além de se consciencializarem da necessidade se estudarem a sério). Se chumbam, isto segundo a inefável ministra, é porque os professores não desenvolvem trabalho consentâneo e profícuo para que transitem de ano, ou seja, os meninos(as) são todos inteligentes. Necessário será optimizar a sua inteligência. Se não se alcançar este desiderato a culpa será dos professores irresponsáveis.
Também será de recordar que, desde que tomou posse do cargo, na companhia dos seus talentosos assessores, a ministra da educação imprimiu, desde logo, uma política de afrontamento e desrespeito para com os professores, culpando-os por todo o mal instalado no sistema educativo. Esta manobra de diversão visou, tão-só, intoxicar a opinião pública e isolar os professores (quem não se lembra da dúlcida expressão, "perdi os professores mas ganhei(?) os pais dos alunos"). A juntar a esta ignomínia garrotou-se a não progressão na carreira e o congelamento dos salários dos docentes. E a pretexto de "moralizar" o sistema encetou-se a "caça" aos privilegiados. Estes, no entanto, não se deixaram intimidar e presentearam a ministra com uma mega manifestação, no passado mês de Março, onde estiveram cerca de 100.000 ? isto seria o suficiente para - se não fosse o apego ao poder, qual lapa que não desgruda (as mordomias, a visibilidade e o vencimento que aufere não se compara com aquele que desfruta nas "sociologias") -, pedir a demissão. Por uma questão de dignidade. E princípio (por bem menos Correia de Campos abdicou). Quem não é desejado não tem condições para negociar políticas educativas. Todavia, a ministra mantém-se, ungida pelo nobre e altíssimo desígnio economicista, enquanto patenteia ausência de ideias claras e delineadoras para o ensino, que julga dispor, enquanto o vai afogando com medidas avulsas, desgarradas e de circunstância que fazem com que haja uma perda progressiva e contínua da qualidade de ensino. Pelo caminho, a ministra continua a sobrecarregar os professores com imensa papelada que tem como objectivo torná-los dignos amanuenses e honrosos burocratas em detrimento de um maior envolvimento com os alunos na sala de aula.
Mais: ultimamente a ministra, despudoradamente, pede mais "sacrifício" e mais "esforço" a todos os professores, incluindo os mais "velhos" já perto(?) da reforma, provavelmente a pensar transmutá-los em "burros de carga" para lhes abreviar a vida, num sistema educativo em que o aluno "é rei e senhor" e faz gato-sapato do professor. Esta é a realidade e o resto é mera propaganda. "Pour épater les bourgeois".

António Cândido Miguéis


  
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Edição:

N.º 179
Ano 17, Junho 2008

Autoria:

António Cândido Miguéis
Professor
António Cândido Miguéis
Professor

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