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Roberto das Neves

[a voz maçon-anarquista que o "25 d`Abril" não ouviu]
Anarquista, maçon, português.

Ele "era o centro das atenções anarquistas no Rio de Janeiro e tornou-se, de fato, o alvo das forças salazaristas da emigração portuguesa...", disse o poeta Francisco Igreja, professor de Literatura e Semiótica na Universidade Gama Filho, em Abril de 1988, quando tratava da edição do meu livro "Estórias Poéticas".
Preso pela polícia política getulista, no Rio, por denúncia de emigrantes lusos aliados da ditadura nazi-fascista comandada por Salazar, o anarquista Roberto das Neves foi uma lança libertária na garganta dos luso-cariocas que ele nomeava como "culônia". O que dizia tudo.
A atividade anarquista do escritor, jornalista e editor Roberto das Neves, passou por uma movimentação de alta responsabilidade político-humanitária quando, no estertor da Guerra Civil espanhola, "juntou-se a um punhado de intelectuais lusos para providenciar, clandestinamente, documentos diplomáticos e assegurar o exílio de centenas de combatentes espanhóis no México", como narrou, via web, a profª Maria Vidal, cuja irmã, Isabella (expedecionária anarquista), foi uma das combatentes contempladas pela "ação do periodista Neves".
Ligado a grupos anarquistas portugueses, espanhóis e brasileiros, sob a linha Stirner [Max Stirner], Roberto das Neves foi o político ideologicamente situado no ato individual que gera movimentos comunitários. Ou seja: o militante sócio-cultural fazedor da Política autêntica.
Quando ouvi do poeta Igreja a história do fundador da editora "Germinal", e autor dos panflos anti-salazaristas que desassossegavam a "culônia" dos emigrantes que até hoje mandam rezar, anualmente, uma missa pela alma de Salazar, na Catedral da Candelária, fiquei fascinado. O poeta não era "ligado" na corrente anarquista, apesar do seu vanguardismo e da contra-Cultura que respirava, e até por isso o seu relato ganhou mais força, estimulou-me.
A profª Vidal enviou-me cópia de uma entrevista com o brasileiro Jaime Cubero, contemporâneo e companheiro de Neves, publicada na revista lusa "Utopia", em 2001, na qual, Cubero lembra que ele, sendo preso e arrastado por policiais para o "Galeão", encarou um deles dizendo-lhe que apesar da cara siamesa ainda tinha um ar de pessoa, e o policial agradeceu o "elogio" sublinhando que nem por isso se livraria da prisão. Assim era esse luso anarquista.
Observando a intensa atividade literária, política, social e cultural desse português, que me lembra muito a atividade do prof. e filósofo Manuel Reis, o que, não por acaso, a profª Vidal não se esqueceu de anotar..., pude perceber (e aferir) como os intelectuais não engajados no sistema mental medievalesco das elites brancas, de Portugal e do Brasil, sofreram e sofrem, porque tais elites - se é que uma corja de poderosos analfabetos e nazi-fascistas pode ser assim nomeada - continuam o absolutismo monárquico que a impede a Cultura comunitária de chegar à Universidade e ao Poder Público, e quando isso acontece [é só ouvir a risada desses poderosos com Lula na presidência da República brasileira), quando alguém do Povo galga o principal degrau do Poder Público, pimba!, corrompem-no, compram-no. A lição de Roberto das Neves está na coerência com que escreveu e executou o que escreveu para viver um individualismo necessário e de auto-defesa, mas sem deixar de interagir comunitariamente com os interesses do Povo, dos Povos: e isso aconteceu em Portugal (onde escreveu sob pseudônimo de "Ernesto"), na Espanha e no Brasil.
Maçon-esotérico, "um talvez Pessoa mais radicalizado ideologicamente" [Vidal, 2008], Neves impressiona quem "lê" a sua história pela coragem de dizer "Eu sou" sob circunstâncias terrivelmente adversas, o que contribuiu para alargar mais a ação do movimento anarquista.
Foi esta voz e esta história, entre muitas outras vozes e outras histórias, que o golpe d`Estado de 25 de Abril de 1974, quando caiu a ditadura salazarista, para tristeza da "culônia" de emigrados portugueses no Brasil (ressalvem-se, o que é um orgulho!, muitas exceções...), não conseguiu fazer eco e, por isso, o Portugal d?Abril perdeu algumas lições de vida que lhe poderiam ter sido muito úteis.
E lembrar Roberto das Neves em pleno 25 d`Abril [2008), no Brasil, e 20 anos depois de ter conhecido a sua história, é lembrar que o Portugal d`Abril é uma Nação que tem um destino a cumprir... quando o Povo se determinar a tal!

João Barcellos


  
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Edição:

N.º 179
Ano 17, Junho 2008

Autoria:

João Barcellos

João Barcellos

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