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D. Carlos I - O Mal Compreendido

O Currículo Desportivo do Rei D. Carlos

O Presidente da República, Cavaco Silva, inaugurou no passado dia 1 de Fevereiro de 2008 em Cascais, uma estátua de D. Carlos I que representa o rei no iate "Amélia", uma obra que pretende homenagear um monarca que ficará para a história de Portugal como o "mal compreendido".
Cavaco Silva, no seu discurso disse tratar-se de uma merecida homenagem a um dos governantes que mais fez para promover o reencontro simbólico com a natureza nacional e projectar o nome de Portugal no estrangeiro, através do incentivo ao desenvolvimento técnico e científico. E continuou, D. Carlos foi mais do que um homem culto, foi um praticante empenhado da arte e da ciência. Foi um rei, um sábio, mas também um fazedor. Tinha plena consciência de que só a junção do conhecimento científico com a aplicação prática criava condições para o desenvolvimento do país e uma melhor qualidade de vida dos seus habitantes. Da combinação rara de dons de D. Carlos, Cavaco Silva destacou a sua sensibilidade para representar a vida marítima e elogiou o seu empreendedorismo no estudo de espécies marítimas e recursos piscícolas, bem como na criação do primeiro laboratório português de biologia marinha.
D. Carlos faz parte da galeria dos ilustres portugueses que, independentemente do regime, serão sempre considerados como os melhores entre os melhores. Hoje, com toda a informação disponível e ultrapassada que foi toda a intoxicação republicana, só por tacanhez de espírito se pode defender o contrário.
Contudo, se do ponto de vista político, científico, técnico e humano, começa a ser reconhecida a obra do monarca, já do ponto de vista desportivo, não vimos na comunicação social, escrita ou falada, bem como na generalidade das manifestações em sua memória, qualquer menção à obra de D. Carlos nos domínios da educação física e do desporto. Contudo, também nestes domínios, D. Carlos foi uma pessoa singular.
Hoje, é sabido que D. Carlos teve uma esmerada educação nos campos da ciência e das humanidades. Teve, por isso, professores e instrutores de várias actividades. Na ginástica, Luís Maria de Lima da Costa Monteiro fundador do real Ginásio Clube Português (1875). Na esgrima António Domingos Pinto Martins, fundador do Centro Nacional de Esgrima (1897). Luís Monteiro, enquanto professor de ginástica da Casa Real, deve ser considerado o primeiro professor de educação física português. Só uma mentalidade mal agradecida e retrógrada que por aí impera, pode continuar a adiar a justa homenagem que já tarda.
Ao tempo, dizia-se que o currículo desportivo de D. Carlos ombreava com o de qualquer "sportmen" da época. Aliás, pelas actividades que praticava e as que promovia, ele era justamente considerado o primeiro "sportman" português. A este respeito escrevia o "Tiro e Sport" na sua edição de 15 de Fevereiro de 1905, por motivos da inauguração oficial do Centro Nacional de Esgrima a 6 de Fevereiro do mesmo ano: "Vários tem sido os aspectos, sob os quaes tem sido biografado S. M. El-Rei, como soberano, homem de sciencia, artista, yacthman. Como esgrimista cabe-nos a subida honra de o fazer e, francamente confessamos, desejaríamos dispor de grandes recursos d'inteligência para que podessemos biographar, como merece, o supremo Chefe da Nação Portugueza. (?) Sua Magestade El-Rei cultiva desde os sete annos a esgrima, tendo sido seus professores, primeiro o celebre professor francez Henri Petit, seguindo-se-lhe Luiz Monteiro e António Martins. Tem sido com este último professor, com quem durante maior lapso de tempo tem trabalhado S. M, e o mestre não se cansa de tecer elogios ás excellentes qualidades que S. M. possue como esgrimista. (?) Anima com a sua presença todas as festas de esgrima, e com a sua palavra incita todos quanto procuram radicar no espírito do nosso povo a prática da esgrima. E, tem sido com o appoio sempre constante de sua Majestade El-Rei, que António Martins, nunca desfalleceu no caminho que encetou, procurando desenvolver o gosto pela esgrima em Portugal. O Centro Nacional de Esgrima, também encontrou sempre sua majestade prompto em auxiliá-lo, e muitíssimo lhe deve essa agremiação, não só pela subida honra da sua presença á festa d'inauguração, e de ser seu sócio protector, como pela rápida solução de varias difficuldades na sua instalação."
Na realidade, D. Carlos foi um reconhecido praticante e dirigente desportivo, empenhado na causa da educação física e do desporto, pelo que, bastas vezes, emprestou a sua figura de monarca a diversas organizações e eventos desportivos. Por exemplo, foi Presidente Honorário de várias agremiações entre as quais a União dos Atiradores Civis Portugueses fundada em 16 de Novembro de 1893 e a União Velocipédica Portuguesa fundada a 14 de Dezembro de 1899.
Mas mais. A D. Carlos fica-se a dever a institucionalização do Olimpismo em Portugal, o que permitiu que, posteriormente, viesse a ser fundado o Comité Olímpico Português. Foi D. Carlos que indicou a Pierre de Coubertin o nome do Dr. António Lencastre para representar em Portugal os interesses do Comité Olímpico Internacional. E D. Carlos, não indicou uma pessoa qualquer, indicou o principal médico da Real Câmara que a 9 de Junho de 1906 escreveu a Pierre de Coubertin, uma carta de aceitação do cargo: "Le Comité Olympic International, dû à votre obligeance, tiendrait à m'elire représentant de mon pays ou sein de votre honorable compagnie. Touché de votre bienveillance je m'expresse de porter à votre connaissance que j'accèpte votre indication avec le plus grand plaisir, soucieux d'apporter mon concours à votre ½uvre. ... "
O desporto em Portugal deve imenso não só a D. Carlos como ao seu filho D. Manuel II o último rei de Portugal. Por isso, lamentamos profundamente o completo esquecimento a que foram votados pelas entidades públicas e privadas portugueses, em especial o Comité Olímpico de Portugal que, em grande parte, a eles deve a sua existência e a Sociedade Portuguesa de Educação Física que a estas questões devia dar mais atenção. Também lamentamos que os jornais desportivos se tenham limitado a ignorar a efeméride.
Ao tempo, D. Carlos pode ter sido incompreendido por uma casta de políticos corruptos e um povo que pela sua ignorância era facilmente manipulado. Contudo, pelo que nos é dado verificar através da imprensa desportiva da época, a Família Real era bem estimada entre os "sportmen" portugueses. Quer os novos arautos da história queiram quer não, não há futuro que se possa construir sobre a ignorância do passado.

Gustavo Pires


  
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Edição:

N.º 177
Ano 17, Abril 2008

Autoria:

Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa
Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa

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