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O impacto nulo em Portugal dos resultados do estudo internacional PISA

Foram anunciados recentemente os primeiros resultados do estudo internacional PISA de 2006. O estudo PISA é um programa internacional de avaliação das competências (em leitura, matemática e em ciências) dos alunos de 15 anos dos países da OCDE (a que se associaram mais cerca de duas dezenas de países). Este programa pretende determinar em que medida os alunos possuem a capacidade de "aplicarem os seus conhecimentos e analisarem, raciocinarem e comunicarem com eficiência, à medida que colocam, resolvem e interpretam problemas numa variedade de situações concretas".
Os resultados de Portugal foram medíocres e este facto serviu para a habitual troca de mimos entre o Governo e a Oposição e para meia dúzia de analistas incluírem a palavra PISA nos seus comentários, aparecendo frequentes distorções pois o conteúdo concreto do estudo é ignorado.
Eis, a título de exemplo, um facto básico que se retira do relatório português do último estudo e passou despercebido. Apesar de o resultado global de Portugal se ter mantido o mesmo (aqui vou só referir a parte relativa à Matemática), o número de alunos com 15 anos no 10º ano de escolaridade diminuiu, ou seja, aumentou o número de reprovações de alunos com 15 anos: há mais alunos de 15 anos no 7º, no 8º e no 9º anos de escolaridade do que em 2003. Os resultados de cada um destes grupos de alunos melhoraram, mas o aumento de reprovações impediu que o resultado de Portugal fosse melhor. Isto significa que, ao contrário do que é voz corrente, nós não precisamos de reprovar mais alunos em Portugal, precisamos sim de apoiar mais os alunos que reprovam (em muitos países não há sequer reprovações no Ensino Básico, mas há muitos apoios aos alunos com dificuldades).
Um analista político criticava a actual Ministra da Educação por os resultados do PISA não terem melhorado entre 2003 e 2006. Ora isto não tem sentido pois muito pouco do que a actual Ministra da Educação possa ter feito de bem ou mal se pode ter reflectido nesses resultados. Com efeito, a recolha de dados do mais recente estudo PISA decorreu na primeira metade do ano de 2006, ou seja, no lectivo de 2005/2006. A maior parcela de alunos portugueses analisados pelo PISA estava então no 10º ano de escolaridade. Estes alunos, ao longo da sua escolaridade, estiveram sob influência das decisões dos seguintes Primeiro Ministros e Ministros da Educação (influência directa, porque decisões de anos anteriores também tiveram impacto no sistema):

Pré-escolar (3 anos) - 1993/1994 - Cavaco Silva - Manuela Ferreira Leite
Pré-escolar (4 anos) - 1994/1995 - Cavaco Silva - Manuela Ferreira Leite
Pré-escolar (5 anos) - 1995/1996 - António Guterres - Marçal Grilo
1º ano - 1996/1997 - António Guterres - Marçal Grilo
2º ano - 1997/1998 - António Guterres - Marçal Grilo
3º ano - 1998/1999 - António Guterres - Marçal Grilo
4º ano - 1999/2000 - António Guterres - Guilherme D?Oliveira Martins
5º ano - 2000/2001 - António Guterres - Augusto Santos Silva
6º ano - 2001/2002 - António Guterres - Júlio Pedrosa
7º ano - 2002/2003 - Durão Barroso - David Justino
8º ano - 2003/2004 - Durão Barroso - David Justino
9º ano - 2004/2005 - Santana Lopes - Maria do Carmo Seabra
10º ano - 2005/2006 - José Sócrates - Maria de Lurdes Rodrigues

O trabalho da actual Ministra só poderá ter algum peso nos resultados do estudo PISA de 2009 que serão publicados em 2010 quando, provavelmente, já não for Ministra. A influência que cada aluno recebe na sua escolaridade é de tal modo espalhada no tempo (e tanto a aprendizagem da Matemática como da Leitura e das Ciências dependem de todo o percurso escolar do aluno e não apenas do que se passou num ou noutro ano isolado) que todos nos deveríamos preocupar mais com a coerência do sistema educativo em termos globais, não tentando discutir pequenos segmentos isolados. Infelizmente em Portugal sabemos o que se passa do nosso lado da rua mas nem sequer sabemos o que se passa do outro lado da nossa própria rua quanto mais do outro lado da cidade.

Jaime Carvalho e Silva


  
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Edição:

N.º 175
Ano 17, Fevereiro 2008

Autoria:

Jaime Carvalho e Silva
Univ. de Coimbra, Fac. de Ciências
Jaime Carvalho e Silva
Univ. de Coimbra, Fac. de Ciências

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