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Tudo, ao mesmo tempo, agora!

A vida urgente das crianças contemporâneas

A vida é agora! anuncia uma propaganda na Rede Globo de Televisão, no Brasil, durante o ano de 2007. Tal propaganda sugere que um determinado cartão de crédito permite que se usufrua de todas as possibilidades que o momento presente oferece. Caso as pessoas não optem pelo cartão de crédito, correm o risco de se tornar meros expectadores das oportunidades que só o presente pode proporcionar. Nessa mesma lógica da obsessão pelo imediato, encaixa-se a grande quantidade de alimentos que podem ser preparados "num passe de mágica". Basta adicionar água quente a alimentos em pó, esperar poucos minutos, e se obtém purês de batatas, macarronadas, sopas, gelatinas, pudins e bebidas. Já com um "toque de água gelada" pode-se preparar sucos de "frutas" e até sorvetes. Tais alimentos, altamente calóricos, são adequados às situações em que pessoas necessitam adquirir energia urgentemente. Hoje, no entanto, eles têm sido a base da "nutrição" de grande parte das crianças que, assim como seus pais, têm rotinas ocupadas com uma infinidade de atividades (ir à escola, praticar esportes, estudar idiomas, aprender a tocar instrumentos ou a dançar, etc.), e não têm tempo para dedicar-se a algo tão trivial e "improdutivo" como alimentar-se. Desenvolve-se um habitus em que tudo que não puder ser preparado num "piscar de olhos", e não estiver sedutoramente embalado, não agrada ao "paladar" infantil. Estudos indicam que a obesidade infantil é um dos problemas que surge associado a essa cultura.
Caracterizam esse acelerado modo de viver contemporâneo, tanto as práticas de alimentação como o uso de tecnologias de comunicação (internet, celulares, etc.) que permitem realizar quase tudo em segundos. David Harvey, ao analisar a condição cultural em que vivemos, aponta que, nos domínios da produção de mercadorias, a ênfase tem sido nos valores e virtudes da instantaneidade, a qual se acopla a descartabilidade. Disso decorre o acúmulo de um dos maiores "produtos" da sociedade atual: o lixo. Só o lixo, como anuncia o filósofo Zygmunt Bauman, tende a ser sólido e durável em um mundo onde impera a descartabilidade.
Como grande parte das invenções instantâneas, efêmeras e descartáveis são direcionadas ao universo infantil, a infância desponta como um dos segmentos populacionais "produtores" de lixo. Foi-se o tempo em que um único agasalho e uma pasta escolar eram cúmplices da infância inteira de uma criança. O que presenciamos hoje é uma variedade infinita de artefatos dirigidos às crianças que, associados a determinadas imagens que mudam o tempo todo - principalmente de ícones midiáticos como o Homem-Aranha e a Barbie -, estimulam contínua e ininterruptamente o desejo. A cada ano adota-se uma nova mochila escolar, um novo calçado, novos cadernos e estojos, que chegam estampados com a imagem dos ícones do momento. Como relatou uma professora brasileira, "no ano passado eram os Rebeldes, em 2007 Tropa de Elite e High School Musical são as febres da criançada".
Diariamente novas e envolventes embalagens se oferecem aos olhos infantis embutidas em instigantes estratégias que convocam para o consumo. Um exemplo disso é uma das campanhas da McDonald's em que se associou um "alimento instantâneo" a um "brinquedo instantâneo". No Snoopy Mania, é preciso adquirir quatro Mc Lanche Feliz para montar o Snoopy, já que cada lanche vem com uma das partes do personagem. Contudo, a criança não precisa esperar a compra dos quatro para brincar com o Snoopy; cada parte do personagem é um brinquedo, e ao abrir a caixinha do lanche, já é possível brincar. Crianças "impacientes", que querem ter as coisas no exato momento em que as solicitam, estão em sintonia com o mundo da instantaneidade. Junto com o deleite imediato, os artefatos direcionados à infância promovem modos de vida em que prevalece a lógica da urgência, da fruição e da descartabilidade. Tudo - de alimentos a tecnologias - é produzido e oferecido às crianças para saciar um desejo urgente, que logo será substituído por outro. A satisfação não dura mais do que o instante de obter, e diante de infinitas possibilidades, a quantidade de objetos que seduzem os infantis parece nunca ter fim. Urgência, rapidez, imediatez são condutas que já estão incorporadas aos modos de viver das crianças de hoje, produzindo um fenômeno que talvez pudéssemos denominar de "infância instantânea".

Mariangela Momo


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 175
Ano 17, Fevereiro 2008

Autoria:

Mariangela Momo
Mestranda em Educação na linha de pesquisa Estudos Culturais, tendo como orientadora a Profª. Drª. Marisa Vorraber Costa
Mariangela Momo
Mestranda em Educação na linha de pesquisa Estudos Culturais, tendo como orientadora a Profª. Drª. Marisa Vorraber Costa

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