A conspiração
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Quando iniciámos o ano a nossa turma tinha mais um aluno. O Nuno não era um aluno como os outros, tinha trissomia 21 mas, mais do que isso, recusava qualquer tipo de contacto ou aproximação. Só com muita paciência e muito tempo acabou por trabalhar comigo mas nunca em grupo. Sentado no canto da sala para onde se auto-exilara não permitia que ninguém chegasse próximo. As reacções com os colegas eram violentas e agressivas. No fundo dos seus olhos pestanejantes, ao contrário de outros casos que eu tinha conhecido, não estava uma centelha de afecto, nem um sorriso amistoso, nem uma expressão amigável; no rosto fechado havia afastamento e recusa e nunca uma intenção de comunicar. O Nuno nunca estava connosco e a pouco e pouco os outros alunos foram-no ignorando. E o Nuno ia ficando na sua solidão tecida de desgosto, desconfiança, tristeza e talvez medo. Não havia nada que o convencesse a trabalhar em grupo e mantinha com determinação o seu espaço solitário. Um dia, quando o frio chegou, veio o tempo das gripes e das constipações e o Nuno ficou em casa. Foi nessa altura que pensei na minha conspiração. Aproveitei uma das aulas em que o Nuno faltou para conversar com os outros alunos mas, sobretudo, fazê-los cúmplices de uma conspiração. E uma conspiração é sempre bem vinda para adolescentes que ainda jogam o jogo de reinventar o mundo. Eles iam ser meus aliados, iam brincar comigo no jogo de fazer do Nuno um parceiro. Resultaria, não resultaria? Que se passaria depois? Falámos sobre isso, aventámos hipóteses, avaliámos as estratégias que eu lhes propunha. O essencial, eles tinham percebido: era necessário fazer sentir ao Nuno que podia ser gostado ? coisa que parecia que ele não acreditava. Combinámos então que, quando o Nuno voltasse, numa das aulas de educação cívica iríamos fazer o jogo do lencinho no recreio. E assim fizemos. Era uma actividade que eu lhes propunha no âmbito de um tempo-aula e o Nuno dificilmente recusaria. Todos se puseram em círculo e o Nuno ocupou também o seu lugar. Começou a cantilena e o jogo dos que iam passando e, sem que este pormenor tivesse sido previsto, o lenço caiu muitas vezes ao pé do Nuno. E o Nuno pegava no lenço e dava a volta ao círculo, muitas vezes fazendo batota e entrando no círculo fora do seu lugar. Mas parecia que ninguém reparava, ninguém dizia nada. Terminou o jogo e o Nuno, entrando na sala, foi sentar-se no seu solitário lugar. Enquanto os outros iam entrando dava-lhes, à porta, pequenas sugestões: João, passa pelo lugar do Nuno, fala-lhe deste jogo e diz-lhe que gostaste de brincar com ele; Jorge, ao passares pela mesa do Nuno diz-lhe que o desenho está bonito; Marta, ao passares pergunta ao Nuno se não precisa de ajuda. E todos iam entrando na sala e sentando-se nos lugares do costume, com um olhar ou um sorriso para o Nuno. De repente o Nuno levantou-se, pegou no seu banco e foi sentar-se junto aos outros, num dos grupos de trabalho. Houve troca de olhares, sorrisos e talvez alguns subentendidos de uma conspiração que resultara. O Nuno já era um dos nossos e saltara para o lado de cá.
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Ficha do Artigo
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Edição:
Ano 17, Janeiro 2008
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Autoria:
Colaboradora do CIIE da faculdade de psicologia e ciências da educação da Universidade do Porto
Colaboradora do CIIE da faculdade de psicologia e ciências da educação da Universidade do Porto
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