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Políticas de ações afirmativas, diversidade e formação dos cidadãos e cidadãs
1. O debate sobre políticas de ações afirmativas, no Brasil, se torna mais freqüente à medida que cresce o número de universidades públicas, hoje mais de 40, que adotam políticas de inclusão de candidatos oriundos de grupos populares, de negros e de indígenas. O que tem levado à adoção de tais políticas?
É inegável que ações afirmativas, na sociedade brasileira, é hoje tema contundente, polêmico e difícil de ser evitado. A população, em todos os seus segmentos, se vê desafiada por debates que põem em questão a sempre anunciada e raramente proporcionada educação para todos. Os excluídos de um projeto de sociedade que se concebe monocultural, meritocrática, seletiva, exigem, com veemência, não iguais direitos, pois isto a Constituição Nacional assim determina, mas distintos meios para que possam efetivamente valer-se tanto dos direitos, como exercer os decorrentes deveres de por eles lutar e de exigir que todos indistintamente deles usufruam.
2. A adoção de cotas no ensino superior não vai muito além da reserva de vagas para grupos em flagrante desvantagem econômica, educacional, diante de camadas privilegiadas? Não atinge o cerne da educação que tem de ser oferecida, a formação dos cidadãos?
Certamente. Essas políticas, uma vez que buscam corrigir distorções sociais e étnico-raciais, assim como promover eqüidade, têm por alvo a formação de cidadãos participantes. Ou seja, de mulheres e homens empenhados em promover condições de igualdade no exercício de direitos sociais, políticos, econômicos, dos direitos de ser, viver, pensar próprios aos diferentes pertencimentos étnico-raciais e sociais. Em outras palavras, tais políticas instam a desencadear aprendizagens e ensinos cujos resultados se efetivem e sejam validados em participações nos espaços públicos. Dizendo ainda de outra maneira, está posta a exigência de que se formem homens e mulheres comprometidos com e na discussão de questões de interesse geral, sendo capazes de reconhecer e valorizar visões de mundo, experiências históricas, contribuições dos diferentes povos que têm formado a nação, bem como de negociar prioridades, coordenando diferentes interesses, propósitos, desejos, além de propor políticas que contemplem efetivamente a todos.
3. Se assim é, as políticas de ações afirmativas exigem dos professores competências para lidar com processos de ensinar e de aprender que não são uniformes?
As políticas de ações afirmativas fazem com que os meios acadêmicos deixem de continuar ignorando a diversidade constitutiva da sociedade. Abordar essa diversidade pedagogicamente ou como objeto de estudos, com competência e sensatez, requer de nós, professores(as) e pesquisadores(as), entre outras coisas: não fazer vista grossa para as tensas relações étnico-raciais que "naturalmente" integram o dia-a-dia de homens e mulheres brasileiros; admitir, tomar conhecimento de que a sociedade brasileira projeta-se como branca; ficar atentos(as) para não reduzir a diversidade étnico-racial da população a questões de ordem economico-social e cultural; desconstruira equivocada crença de que vivemos numa democracia racial. E, para ter sucesso em tal empreendimento, temos que identificar e desconstruir as tramas tecidas na história do ocidente que constituíram a sociedade excludente, racista, discriminatória em que vivemos e que muitos insistem em conservar.
4. O ocultamento da diversidade tem resultado no quê?
O ocultamento da diversidade, no Brasil, vem reproduzindo, entre índios, negros, empobrecidos, o sentimento de não pertencer à sociedade. O fato de a sociedade, e por isso também os estabelecimentos de ensino, não enfrentarem as tensas relações étnico-raciais vivenciadas cotidianamente, tem fomentado a idéia, de que vivemos harmoniosamente integrados. Há quem considere, e não poucos, democrático ignorar os outros na sua diferença, nas suas especificidades.

  
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Edição:

N.º 173
Ano 16, Dezembro 2007

Autoria:

Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva
Univ. Federal de São Carlos, Brasil
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva
Univ. Federal de São Carlos, Brasil

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