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Contributos para a abertura de um debate que se quer sustentado e carregado de sentido

O novo regime de avaliação do desempenho dos educadores e professores portugueses foi aprovado a 26 de Outubro e deverá arrancar ainda este ano lectivo para os professores que estão no segundo ano do período previsto para a progressão na carreira. O documento foi contestado pela totalidade das organizações sindicais e recebe também a crítica de alguns dos especialistas que reflectem sobre esta questão.
Neste Em Foco damos a conhecer os princípios gerais que orientam o novo diploma e damos espaço à reflexão crítica de Ariana Cosme e Rui Trindade, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Universidade do Porto, e de Palmira Alves, do Departamento de Currículo e Tecnologia Educativa da Universidade do Minho. Destaque ainda para uma entrevista a Clara Rodrigues, professora da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Beja e coordenadora do projecto TEVAL, um programa de avaliação de professores que está a ser desenvolvido a nível europeu e que se propõe como uma possível alternativa ao modelo agora proposto. Este «Em foco» assume-se como um primeiro contributo para um debate que terá de ser profundo e duradouro não só pelo impacto que tem sobre a vida profissional dos docentes mas também dos modos de organização e funcionamento das escolas.

Um processo complexo e trabalhoso que corre o risco de se tornar uma finalidade em si mesmo

O quadro regulamentador da avaliação do desempenho dos professores e educadores portugueses, articulado no âmbito do novo Estatuto da Carreira Docente, foi aprovado no passado mês de Outubro. De acordo com o documento do ME, as novas orientações pretendem consagrar um regime de avaliação do desempenho "mais exigente e com efeitos no desenvolvimento da carreira", que permita "identificar, promover e premiar o mérito e valorizar a actividade lectiva" e alcançar "melhorias ao nível dos resultados escolares dos alunos e da qualidade das aprendizagens". Este regime de avaliação passará obrigatoriamente a ser considerado para efeitos de progressão na carreira, conversão da nomeação provisória em nomeação definitiva, renovação do contrato e atribuição de prémios de desempenho.
O novo conjunto de regras estabelece que a avaliação passará a realizar-se no final de cada período de dois anos escolares, reportando a actividade desenvolvida ao longo desse período, e assentará em três momentos: uma auto-avaliação, a avaliação efectuada pelos coordenadores do departamento disciplinar ? que também serão sujeitos a avaliação ? e, por último, a avaliação efectuada pelos conselhos executivos.
No conjunto do processo de avaliação participam o coordenador do conselho de docentes ou do departamento curricular ? ou os professores titulares que por ele forem designados quando o número de docentes a avaliar o justifique ? um inspector com formação científica na área departamental do avaliado, designado pelo inspector-geral da Educação, cuja função é avaliar os professores titulares que exercem as funções de coordenação do conselho de docentes ou do departamento curricular, e o presidente do conselho executivo ou o director da escola ou do agrupamento de escolas em que o docente presta serviço.
Na altura em que a primeira versão do documento foi apresentada, o presidente do Sindicato dos Inspectores da Educação e Ensino, José Calçada, afirmou em declarações à comunicação social ser matematicamente impossível dar cumprimento ao estabelecido na lei por falta de pessoal habilitado para exercer aquelas funções, garantindo serem necessários "cerca de três vezes mais inspectores" para tornar possível a avaliação de desempenho dos professores proposta pelo Governo.
O Ministério da Educação anunciou, entretanto, a abertura de mais 40 vagas para reforçar a Inspecção-Geral da Educação (IGE), mas Calçada afirma que esse esforço não será suficiente: "Decorrerão cerca de seis meses de concurso e os 40 inspectores vão ter um ano de formação em serviço, pelo que só estarão no terreno em Março de 2009". Explicando que nesse ano se irão aposentar 16 inspectores, verificar-se-á um acréscimo de 24 técnicos relativamente aos 152 actualmente em serviço. Tendo em conta que o total de professores titulares ascende a 8149, "haverá 46,3 docentes para cada um dos 176 inspectores que trabalharão no terreno em 2009. Isto se os inspectores não fizerem mais nada, porque o rácio real está próximo do dobro", diz. "Não há avaliação séria que resista à evidência destes números", assegura este dirigente sindical, tendo, neste sentido, proposto à tutela que o processo de avaliação seja suspenso por um período mínimo de três anos. Tendo em conta a intenção já manifestada pela ministra Maria de Lurdes Rodrigues em fazer avançar o processo já este ano, tal solução afigura-se, porém, difícil de concretizar.

Má classificação pode ditar reclassificação ou reconversão profissional

Prosseguindo na análise ao documento, em particular no que se refere aos diferentes parâmetros classificativos, a avaliação efectuada pelo coordenador do departamento curricular ou do conselho de docentes ponderará o envolvimento e a qualidade científico-pedagógica do docente com base na apreciação dos seguintes itens: preparação e organização das actividades lectivas; realização das actividades lectivas; relação pedagógica com os alunos; e o processo de avaliação das aprendizagens dos alunos.
No que toca à avaliação efectuada pelo órgão de direcção executiva, são ponderados indicadores como o nível de assiduidade, o serviço distribuído, o progresso dos resultados escolares esperados para os alunos e taxas de abandono escolar em função do contexto sócio-educativo, a participação dos docentes na vida da escola e a apreciação do seu trabalho de colaboração em projectos conjuntos de melhoria da actividade didáctica e dos resultados das aprendizagens, acções de formação contínua concluídas, exercício de outros cargos ou funções de natureza pedagógica, dinamização de projectos de investigação e a apreciação realizada pelos pais e encarregados de educação, esta última desde que obtida a concordância do docente.
A avaliação de cada uma das componentes de avaliação é feita numa escala de avaliação de 1 a 10. O resultado final da avaliação do docente corresponderá à classificação média das pontuações obtidas em cada uma das fichas de avaliação e ficará expresso através das seguintes notas: Excelente (de 9 a 10 valores), Muito Bom (8 a 8,9), Bom (6,5 a 7,9), Regular (5 a 6,4) e Insuficiente (de 1 a 4,9). De acordo com o ME, serão fixadas quotas máximas para a atribuição das classificações de Muito Bom e Excelente, que terão por referência os resultados obtidos na avaliação externa da escola.
As notas atribuídas terão reflexos ao nível da progressão na carreira. A atribuição da menção qualitativa de Excelente durante dois períodos consecutivos de avaliação, por exemplo, determina a redução de quatro anos de contagem no tempo de serviço no acesso à categoria de professor titular. Já uma classificação de Regular ou Insuficiente implica a não contagem do período a que respeita para efeitos de progressão e acesso na carreira, devendo ser acompanhada de uma proposta de formação contínua que permita ao professor "superar os aspectos do seu desempenho profissional identificados como negativos no seu processo de avaliação". Duas classificações consecutivas ou três interpoladas de Insuficiente determina a não distribuição de serviço lectivo no ano seguinte e a sujeição ao regime de reclassificação ou de reconversão profissional previstos na lei.

Objectivos individuais penalizadores

Um dos princípios constantes no novo regime de avaliação estabelece que o professor terá de se propor alcançar objectivos individuais, estabelecidos por acordo entre o avaliado e os avaliadores, através da apresentação de uma proposta do avaliado no início do período em avaliação, de forma a determinar o contributo do docente para o conjunto de objectivos enunciados no projecto educativo e no plano anual de actividades previamente estabelecidas pela escola ou agrupamento de escolas, bem como o conjunto de indicadores referentes aos progressos dos resultados escolares esperados para os alunos e a redução das taxas de abandono escolar.
Os objectivos individuais são, assim, formulados tendo por referência a melhoria dos resultados escolares dos alunos, a redução do abandono escolar, a prestação de apoio à aprendizagem dos alunos ? incluindo aqueles com dificuldades de aprendizagem ?, a participação nas estruturas de orientação educativa e dos órgãos de gestão da escola, a relação com a comunidade, a formação contínua adequada ao cumprimento de um plano individual de desenvolvimento profissional do docente, a participação e dinamização de projectos e actividades constantes no plano anual de actividades e dos projectos curriculares de turma bem como de outros projectos e actividades extra-curriculares.

Documento "tecnicamente incompetente"

Ariana Cosme e Rui Trindade, professores da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e autores de um parecer sobre esta matéria, discordam desta interpretação e consideram que os objectivos individuais não poderão ser definidos, de forma prévia, em torno deste conjunto de categorias já que elas "não exprimem exigências de carácter universal". Isto, explicam, porque "nem todos os professores se defrontam, por exemplo, com a necessidade de promover acções capazes de contribuir para a redução do abandono escolar ou de prestar apoio a alunos que manifestem dificuldades de aprendizagem", defendendo que "devem ser deixados às escolas e aos professores a definição dos objectivos e as dimensões da avaliação".
No parecer da autoria de Ariana Cosme e Rui Trindade (que pode ser consultado integralmente no sítio do Sindicato dos Professores do Norte, em www.spn.pt) [Temas e Problemas], estes investigadores chamam a atenção, antes de mais, para os dois problemas estruturais que, na sua opinião, afectam o documento: a articulação que se estabelece entre a avaliação do desempenho e a gestão da carreira dos professores e a estratégia de operacionalização e dos instrumentos de avaliação propostos, que se arriscam a "propiciar a arbitrariedade e o nepotismo".
Questionando a validade de instrumentos de avaliação como as fichas de auto-avaliação, que se "assemelham mais a instrumentos de investigação académica do que propriamente a um roteiro que permita estabelecer linhas de orientação de uma reflexão que nunca poderá ser configurada de forma descontextualizada", Cosme e Trindade criticam de um modo geral as listas de verificação propostas no documento, confrontadas, entre outros aspectos, com a impossibilidade de serem usadas como instrumentos de avaliação na medida em que "cada um dos itens dessas listas necessita de ser operacionalizado, de forma a definirem-se, posteriormente, critérios e indicadores válidos e fiáveis".
Pondo em causa aquilo que consideram ser "instrumentos de avaliação precários do ponto de vista da sua validade e fiabilidade", questionam, desse modo, de que forma se pode assegurar a justiça e a equidade num processo desta natureza. "Não se assegura e esse é o problema maior a enfrentar", dizem. Um problema tanto mais sério porque propicia a "possibilidade de se alimentarem comportamentos autocráticos, situações de compadrio, as posturas defensivas e o calculismo hipócrita, impedindo-se, assim, ou, pelo menos, obstaculizando-se as iniciativas que possam conduzir à afirmação e ao desenvolvimento profissional dos professores", podendo inclusivamente dar origem a um exercício de avaliação burocrático e sem sentido que se "constrói como uma iniciativa centrada nos interesses corporativos dos professores".
Em conclusão, os dois investigadores afirmam que "o diploma proposto resulta de um equívoco matricial" ? o de subordinar a avaliação do desempenho docente a um ECD que penaliza a afirmação profissional dos professores ?, acabando por "concretizar-se como um documento tecnicamente incompetente", que, por não estimular a reflexão de educadores e professores, "não permite que estes possam confrontar-se, enquanto profissionais, com as suas limitações, equívocos e potencialidades".
Finalmente, foi também em tom muito critico que representantes de diversos sindicatos de professores se manifestaram em relação a esta regulamentação. Os contactos realizados, as propostas dos sindicatos a que tivemos acesso, a forma como se dá, ou não dá, a negociação com o Ministério da Educação, a marginalização dos docentes nestes processos, são um campo de informação e discussão que se abre para um próximo trabalho sobre esta matéria. Um trabalho que sem descurar a voz dos especialistas na matéria não deixará de contactar com a voz dos professores que, pesem os contratempos, em cada escola vão tecendo os caminhos da profissão.

Clara Rodrigues, coordenadora do projecto TEVAL: 

 "Todas as experiências do professor podem ser recursos para se trabalharem as competências e as práticas"

Clara Rodrigues é professora da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Beja e coordena o projecto TEVAL ? Evaluation Model for Teaching and Training Practice Competences, um modelo de avaliação caracterizado pela procura partilhada de soluções e de reflexão em contexto local de trabalho sobre as práticas profissionais, desenvolvido em parceria com diversas entidades europeias da área da formação de professores. Nesta entrevista, Clara Rodrigues explica em que consiste o projecto e de que forma se pode constituir como uma alternativa aos actuais modelos de avaliação.

Em que contexto surge o projecto TEVAL?

O projecto TEVAL ? Evaluation Model for Teaching and Training Practice Competences ? surge em 2005 com base na experiência da Escola Superior de Educação de Beja (ESEB) na área da formação inicial e contínua de professores, o que permitiu verificar que algumas das necessidades destes profissionais se encontravam ligadas às falhas do processo de avaliação. Além disso, as orientações europeias do Programa de Educação e Formação 2010 apontavam para o reforço dos sistemas de garantia de qualidade do ensino e da formação e para uma abordagem comum aos dois sistemas, no âmbito do conceito de Aprendizagem ao Longo da Vida.
A ESEB constituiu-se então como promotora do projecto para a candidatura ao programa comunitário Leonardo da Vinci II ? projectos-piloto ? tendo reunido uma parceria de entidades europeias especialistas na área da avaliação e da formação, representantes dos contextos alemão, francês, inglês, grego e estónio.

Como funciona este modelo de avaliação?

O modelo de avaliação concebido, após dois anos de trabalho em cooperação, o qual designámos Modelo de Avaliação Próxima, assenta, sinteticamente num processo de recolha e tratamento de um conjunto de informações e evidências acerca do trabalho realizado pelo professor ou formador. Estes materiais devem fazer referência não só aos resultados obtidos pelo profissional no ambiente da relação pedagógica, mas também ao impacto que as suas actividades têm na organização (escola ou centro de formação), na comunidade local e no próprio avaliado enquanto profissional.
Um dos pressupostos fundamentais deste modelo é que a avaliação deve realizar-se o mais próximo possível do contexto prático do avaliado e envolve-lo no processo, pois, apenas desta maneira é possível atingir o objectivo previsto da avaliação ? contribuir para o desenvolvimento profissional do agente educativo, oferendo pistas para a contínua melhoria das práticas. Por isso, o modelo de avaliação do projecto inclui a organização de equipas de avaliação formativas a operar nas próprias escolas/agrupamentos/entidades de formação.

Qual é o papel dessas equipas?

Estas equipas funcionam como grupos de apoio para o desenvolvimento de competências profissionais. Nas sessões de avaliação, serão considerados acontecimentos, situações, iniciativas e dificuldades em que os professores ou formadores estiveram envolvidos. Desta forma, as capacidades profissionais do professor ou formador são analisadas e aperfeiçoadas através da procura partilhada de soluções e da reflexão sobre elas. O feedback imediato que o grupo recebe influencia directamente a sua acção no curto prazo.
Estas podem incluir o professor/formador que está a ser avaliado; um agente administrativo da escola/centro de formação; dois ou três colegas da escola/centro de formação, se possível do mesmo departamento (dependendo do tipo e do tamanho da organização); um avaliador externo (que pode ser um professor/formador de outra organização de Educação-Formação ou de uma empresa, que garantirá uma visão não enviesada no grupo); e um aluno ou formando que represente o público-alvo do agente (opcional de acordo com o nível de desenvolvimento do mesmo).

Qual é o passo seguinte?

Seguidamente, o grupo discutirá o trabalho através da uma crítica construtiva, permitindo que o professor ou formador detecte as suas necessidades e orientando-o a ultrapassar as dificuldades e a melhorar as práticas. Trata-se de um processo que envolve metodologias de auto e hetero avaliação dinâmicas e em interacção. O feedback imediato que o profissional recebe influencia directamente a sua acção no curto prazo, concretizando os resultados da discussão em grupo.
No final, todas as informações recolhidas pelo professor e trabalhadas nas sessões, assim como outros documentos relevantes constituem o portfolio de avaliação do período de actividade em questão, permitindo a atribuição de um valor ao trabalho do professor (em termos quantitativos e/ou qualitativos), que poderá ser utilizado ao nível da tomada de decisão.

Em que medida se distingue dos modelos de avaliação actualmente existentes?

A concepção deste modelo partiu de um trabalho de análise dos diferentes tipos de abordagens actualmente presentes nos contextos da parceria, tanto destinados a professores como a formadores. Os resultados obtidos permitiram verificar que existem algumas necessidades e limitações transversais ao contexto europeu, pelo que a proposta apresentada se distingue pelas respostas que oferece a essas necessidades, entre as quais, a falta de envolvimento dos profissionais no processo e a polarização dos sistemas, ora baseados num perfil de sucesso demasiadamente padronizado ora pautados pela ausência de referências de avaliação.
Em primeiro lugar o Modelo de Avaliação Próxima nasce no âmbito de um projecto comunitário, pelo que não é dirigido para objectivos ou políticas educativas nacionais. Em segundo lugar, trata-se duma proposta de avaliação comum a professores e formadores e, portanto, é mais adaptável e flexível aos diferentes contextos de acção.
O modelo constitui uma referência para a implementação de algumas boas práticas de avaliação nas organizações de Educação e Formação, sobretudo por apresentar uma abordagem que deve ser focada nas organizações e que estabelece uma relação de confiança entre os avaliadores e os avaliados, apostando numa mudança da cultura de avaliação ? desde uma visão de prestação de contas, na qual se tem de provar que se atingem os objectivos e se escondem os resultados que não são tão positivos, para uma visão de desenvolvimento profissional na qual se entende que todas as experiências do professor podem ser recursos para se trabalharem as competências e as práticas, com vista a níveis mais elevados de qualidade.

Depois de estabelecidos os princípios organizacionais, o projecto vai entrar na sua segunda fase, a de implementação. De que forma se irá processar?

O projecto TEVAL teve como objectivo a formulação do Modelo de Avaliação, o qual passou já por uma validação de conteúdo, com a colaboração de cerca de 250 professores, formadores, gestores, coordenadores e especialistas na área da Educação e Formação de toda a Europa. No entanto, agora é necessário verificar se o modelo funcionará de facto nas instituições, pelo que a ESEB lançou um novo projecto Leonardo da Vinci, já aprovado pela Comissão Europeia, que pretende experimentar o modelo em escolas e centros de formação em Portugal, França, Itália, Alemanha, Polónia, Roménia e Reino Unido, envolvidas pelos parceiros estabelecidos em cada um destes países.
Assim, o plano de trabalho passará pela formação dos profissionais para a aplicação do modelo nas instituições, pela disponibilização de materiais de apoio à mesma e por uma experimentação observada.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa

Algumas reflexões sobre a avaliação dos professores


São variadas as perspectivas de avaliação de professores e todas reflectem a diversidade dos observadores, a complexidade da avaliação das competências profissionais, a variedade dos desafios e das consequências da avaliação. A minha posição é que todas estas perspectivas se poderão constituir mais numa riqueza do que num constrangimento. Assim, a avaliação dos professores é chamada a ir além do simples desenvolvimento de utensílios para clarificar o juízo e a tomada de decisão, tornando-se num instrumento de comunicação e de negociação dos valores e das representações. Assim, ela permitirá aos diferentes parceiros comunicar e conciliar as suas perspectivas, desenvolver um referencial comum e partilhar uma informação comum.
Começaria por referir que avaliar comporta riscos, mas não avaliar os professores representaria certamente um risco maior, quer para o desenvolvimento da profissão, quer para o serviço que ela presta à colectividade.
Parece-me, contudo, que o sistema de avaliação regulamentado pelo Ministério da Educação apresenta, na sua globalidade, a avaliação dos professores como uma questão muito ligada à questão do poder da escola, esquecendo que a eficácia do professor não é uma característica ligada a ela própria, mas sim dependente em parte, das condições do seu exercício.
A implementação de uma política de avaliação, para ter êxito, deve ter um consenso o mais alargado possível de todas as partes envolvidas, nomeadamente dos professores. É necessário encontrar um modus vivendi a este propósito, na medida em que é à volta do respeito que se constrói uma boa parte do clima de trabalho e do dinamismo de uma escola. Parece-me que este diploma não reunirá o necessário consenso e, assim, coloco algumas reservas a este sistema generalizado de avaliação, nomeadamente quanto à sua verdadeira finalidade e eficácia no prosseguimento de um ensino de qualidade. Não se trata de associar estas resistências à resistência à mudança, pelo contrário, inscrevo estas reservas numa reflexão autêntica e contínua, sobre as condições a desenvolver para permitir aos professores o desenvolvimento de um ensino de qualidade.
A minha resistência face a esta avaliação envolve dois aspectos: por um lado questiono-me sobre a sua pertinência e, por outro, sobre os seus inevitáveis efeitos perversos. Relativamente ao primeiro aspecto, a pertinência, considero o acto de ensinar um acto que assenta essencialmente numa relação humana. O ensino é uma prática complexa onde inúmeras interacções estão em jogo. Um contexto tranquilo pode conduzir a uma avaliação tranquila. Pelo contrário, um professor que seja objecto de uma contestação ou vítima de uma discriminação viverá uma situação difícil que não se resolverá por um questionário, mas talvez por um acompanhamento. É necessário investir na inserção profissional e, em casos de litígios pedagógicos, desenvolver uma cultura de apoio profissional. Há sempre problemas e é necessário dotar-se de meios e de procedimentos para encontrar soluções, no respeito pelos professores e pelos alunos envolvidos.
São reflexões deste tipo que me levam a pensar que num domínio tão delicado como a avaliação de uma prática tão intimamente ligada à pessoa é importante ter muita prudência. Em matéria de avaliação o "tornar acessível os meios" parece-nos tão importante quanto "torná-la obrigatória". Colocar o acento na prevenção e na cura será uma forma de assegurar a qualidade dos serviços prestados por qualquer entidade.
No dia em que os professores se sentirem como prestadores de serviços de formação e os alunos como clientes, creio que teremos falhado a nossa missão da educação.
Um aspecto positivo do diploma é a obrigatoriedade da auto-avaliação, na medida em que uma competência tem uma dimensão metacognitiva : uma competência implica por definição a capacidade de reflectir sobre a acção, de justificar escolhas e de argumentar as práticas. Tem em conta não apenas o que o professor faz, mas também as razões por que o faz. Implica, assim, a confrontação de vários pontos de vista, incluindo o do professor.
Receio, contudo, que a padronização de um "modelo de auto-avaliação", depressa passe a fazer parte do espólio institucional, pois, entre outros factores, as tarefas do professor aumentam muito, o que terá grandes impactos sobre a qualidade do seu trabalho.
Um outro efeito perverso deste sistema de avaliação será a obrigação de uma avaliação formal e obrigatória pelos pares, pois esta dificilmente será construtiva num contexto em que a colegialidade, a entreajuda e a prossecução de objectivos partilhados deveriam primar. A avaliação sistemática entre pares poderá trazer, em si mesma, a semente do conflito e da divisão. Por outro lado, o desconhecimento do "modelo de leitura do avaliador", ou seja, da inexistência de um quadro teórico que sustente as tomadas de decisão poderá constituir-se, também, num constrangimento a esta avaliação.

Maria Palmira Alves
Departamento de Currículo e Tecnologia Educativa da Universidade do Minho


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 172
Ano 16, Novembro 2007

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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