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Educação criadora
Encontrei uma frase que me fez reflectir sobre a educação em si mesma, enquanto fenómeno humano: "Educar significa favorecer o crescimento da capacidade de racionalidade, de espiritualização, de universalização, de superação dos limites vários que confinam o indivíduo numa pátria ou grupo, numa localidade ou época, habilitando-nos, portanto, a sermos educadores da sociedade" (Sérgio, 1980: 160).
A educação é um processo complexo, construído através de práticas que intervêm directamente na transformação dos indivíduos em busca de um desenvolvimento que se pretende integral e harmonioso. Ao reflectir sobre a articulação entre as condições de vida pós-modernas e as finalidades educacionais, Grevilla declara que acabamos por definir uma educação integral como aquela que "tem de saber conjugar modernidade e pós-modernidade, relacionando e esforço e o prazer, a ética e a estética, o presente com o passado e o futuro, a festa e o trabalho, o sexo e o amor, o quotidiano e o permanente." (Grevilla, 1993: 184). Contudo, um desenvolvimento harmonioso não tem que excluir o conflito do seu processo, mas antes lidar com ele como sendo um espaço de crescimento, de afirmação, de negociação, de renovação. A conflitualidade assume um carácter deveras positivo quer nas relações educativas como interpessoais, podendo "até ser dinamizadora de enriquecimentos mútuos e de criações de novos valores que resultarão das interconexões e das interacções daí resultantes" (Lopes, cit. in Carvalho, 2003: 58).
A educação abrange todo um conjunto de componentes de natureza física, afectiva, intelectual, social e espiritual, através das quais a pessoa se exprime e se define nas várias etapas da sua vida. Como dizia Rousseau, cada idade tem a sua perfeição e, em cada fase, seria desejável que as conquistas pessoais e sociais se realizassem numa conjugação entre tendências, entre pensamento e acção, entre razão e emoção, entre o eu e o outro. Com criatividade. "Não se trata de fazer surgir um ser inventado do nada. [?]apoiado no seu património hereditário e nas múltiplas aquisições que o meio lhe impõe, [o indivíduo] é capaz, se foi apoiado no seu próprio impulso, de acrescentar qualquer coisa nova ao tipo humano habitual. A educação não cria o homem, ajuda-o a criar-se" (Debesse, 1999: 136).
Neste sentido, a educação é, antes de mais, um meio "ao serviço da transitividade da vida do educando", e reúne as características gerais "da complexidade, da instabilidade e da indefinibilidade que caracterizam o humano" (Santos, 1973: 488-489). A complexidade do acto educativo não pode cruzar-se com as complexas características do ser humano sem se cruzar, simultaneamente, com as complexas características do contexto sócio-cultural. Não podemos, assim, reduzi-lo a um conjunto de técnicas ou a uma didáctica, ou seja, à transmissão de um saber ou mesmo de uma cultura: trata-se de um processo muito diversificado, nos indivíduos e nas situações sócio-históricas que o sustentam. Aliás, ao longo do desenvolvimento da pessoa, assiste-se a um poder modelador do meio que se empenha na integração social. Segundo Reboul (cit por Santos, 2005: 14) "educar não é fabricar adultos segundo um modelo, é libertar em cada homem o que o impede de o ser". De facto, desde cedo vimos intervir o factor pessoal, poder criador que transmite à conduta da criança o seu comportamento próprio, parcialmente imprevisível: "a criança eleva-se segundo um movimento complexo de invenção de si mesma, que a educação pode e deve estimular com todas as suas forças" (Debesse, 1999: 136). É neste sentido que falamos duma educação criadora. (artigo a continuar)

Bibliografia
CARVALHO, A.D. (2003) (Org.) Sentidos Contemporâneos da Educação, Porto: Afrontamento.
DEBESSE, M. (1999) As Etapas da Educação, Lisboa: Livros e Leituras.
GERVILLA, E. (1993) Postmodernidad y Educación ? valores y cultura de los jóvenes, Madrid: Editorial Dykinson.
SANTOS, D. (1973) Obras Completas II: Da Filosofia. Do Homem, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
SANTOS, M.E. (2005) Que Educação?, Tomo I, Lisboa: Santos-Edu.
SÉRGIO, A. (1980) Ensaios, Tomo I, in Educação e Filosofia, Lisboa: Sá da Costa.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 172
Ano 16, Novembro 2007

Autoria:

Maura Mendes
Investigadora do CIID - Centro Identidades e Diversidades. IPL
Maura Mendes
Investigadora do CIID - Centro Identidades e Diversidades. IPL

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