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Preferiam vê-los "amansar a fera" em vez de todos os dias ameaçarem que a vão matar

Professores e sindicatos

A PÁGINA da Educação lançou o desafio a quatro professores para se pronunciarem sobre as suas preocupações educativas e a actuação das organizações sindicais de professores. O "facilitismo" instituído nas escolas, os baixos salários, a precariedade das colocações, a falta de discussão sobre as questões deontológicas, a necessidade de formação ao longo da carreira, foram as preocupações mais sublinhadas. Ao longo da conversa, os docentes falaram da actuação sindical como um todo, ainda que alguns fizessem questão de se assumir como sindicalizados.

Paulo Dias, 31 anos | Professor de Geografia na Escola Secundária de Fafe | 10 anos de serviço | 5º escalão

Está há um ano na Escola Secundária de Fafe, conta estar mais dois. Depois? Sorri. De novo a incerteza. No aspecto pessoal está preocupado com o futuro. Sobretudo no que toca ao vencimento e à estabilidade profissional. Ao ponto de se colocar a questão sobre se manterá ou não o ensino como a sua actividade "para o resto da vida". Apesar de já pertencer aos Quadros de Zona, diz-se "apreensivo". As condições de trabalho são outra das suas preocupações. Sobretudo o facto de trabalhar em escolas cada vez mais distantes do Porto, cidade onde reside. Os custos com as deslocações pesam também no vencimento. Um depósito por semana é quanto Paulo Dias gasta. Feitas as contas por alto, 160 euros num ordenado de 1220 euros líquidos mensais.
Sobre o que o preocupa ao nível do ensino Paulo Dias responde sem hesitação: "O facilitismo!" Di-lo por comparação ao tempo em que era aluno. "Há um facilitismo que está cada vez mais presente em termos de aprendizagem e de objectivos que os alunos supostamente deveriam atingir no final do ano lectivo já de si muito reduzidos", critica o professor, acrescentando: "Alteraram-se as nomenclaturas de objectivos mínimos para específicos mas isso só vem escamotear a realidade, porque se exige menos dos alunos e passa-se a ideia de 'brincar para aprender', com a qual eu não concordo."
Outra das questões que o preocupa é ver constantemente posto em causa o papel do professor. "Se o aluno não corresponde aos objectivos a culpa é sempre do professor, mas é preciso ver que há outros culpados, nomeadamente as condições familiares, sociais, económicas e até da própria sociedade que dá mais valor ao ter que ao ser..." E explica: "Cultiva-se a mentalidade de que importa passar a qualquer custo onde o
saber ou não saber pouco interessa..."
Por fim, diz o professor, "a actuação das hierarquias superiores da educação" não está a contribuir para uma melhoria do estado da educação. "Veja-se a questão em que a ministra põe em causa a importância dos trabalhos de casa... compreendo que, por um lado, nem todos os alunos tenham acesso aos mesmos meios de pesquisa e informação, mas, por outro lado, deve-se valorizar o trabalho fora do tempo lectivo."

Concentração sindical

"Já fui sindicalizado mas deixei de ser porque quando precisei de ajuda não fui bem orientado!", resume Paulo Dias enquanto tenta encontrar as razões de tal atendimento: "Provavelmente por ser um sindicato pequeno, a quota paga era a mais barata na altura, rondava os cinco euros..." Outros aspectos mais pragmáticos originaram a desistência: a dificuldade no acesso, a falta de estacionamento e a incapacidade de resolução de problemas via telefone. "Entretanto, casei com uma professora que é sindicalizada e apoio-me no sindicato dela... assim fica dois em um", graceja.
Questionado sobre a actuação dos sindicatos, Paulo Dias comenta: "Penso que os sindicatos são importantes em qualquer actividade profissional!" Mas adianta: "O problema é existirem vários sindicatos, o que reflecte também a disparidade de categorias dentro do corpo docente." O ideal para este professor seria a concentração. "Um só sindicato que englobasse todas as sensibilidades para ter mais força." Mas também, acrescenta, "mais neutro em termos de cores partidárias". A esta diversidade típica da profissão, Paulo Dias recorda ainda outra divisão que diz estar a contribuir ainda mais para a perda de força da classe: a divisão entre professores titulares e não titulares. "Uns vão avaliar o trabalho dos outros, uns estão num patamar superior aos outros...", comenta. Uma actuação que Paulo Dias diz ser a de "dividir para reinar" e que prevê contribuir para agravar o "mal-estar entre a classe docente".

Bandeiras de luta

Entende que o principal papel dos sindicatos seja o de defender as condições laborais do trabalhador. Mas, no caso dos professores, refere, "o sindicato devia imiscuir-se nas situações pedagógicas". Porquê? "Porque isso também mexe com o bem-estar do professor no seu local de trabalho", responde. De que forma? "Melhorando o ambiente de trabalho, não só em termos de condições materiais nas escolas mas também a relação entre professores e alunos, por exemplo, ao nível da segurança." O sindicato, segundo Paulo Dias, devia ainda "defender um aumento de poder disciplinar dos professores". A questão salarial e a valorização do estatuto social do professor seriam, para Paulo Dias, duas lutas que nunca deveriam ser retiradas da agenda sindical.
Questionado sobre a actuação das organizações sindicais ligadas ao ensino, Paulo Dias hesita em atribuir-lhes uma nota. "Daria mais do que 10 [em 20] porque num governo com maioria absoluta os próprios sindicatos dizem ter pouca margem de manobra." E recorda as negociações feitas no que toca ao Novo Estatuto da Carreira Docente. "Um ou outro pormenor foi alterado, mas sem grande peso no seu conteúdo geral."


Miguel Sousa, 42 anos | Professor de Educação Física, Escola Secundária da Ribeira Grande, São Miguel, Açores | 17 anos de serviço

Está efectivo na escola onde lecciona e se estivesse no Continente estaria a concorrer a Professor Titular, faz questão de referir, lembrando que o escalamento da carreira nas Ilhas é diferente.
Sobre as preocupações com o ensino actual, Miguel Sousa elege o que afirma ser a tentativa de "os governantes quererem transformar a escola que é a casa da educação, na casa da instrução". E explica: "O sucesso escolar foi reduzido ao passar ou não de ano, isto é dizer que na escola só se instrui. Os nossos políticos querem que as crianças saibam muito de português ou matemática, mesmo que sejam mal-educados ou tenham mau carácter". Por isso, conclui: "A escola deixou de educar. É claro que a escola deve dotar os alunos dos mecanismos suficientes para procurarem uma profissão, mas não pode ser só isso."

A criação de uma Ordem de Professores

Na sequência da sua preocupação, Miguel Sousa admite que gostaria de ver as organizações sindicais "a ajudar o Governo a definir o que é o sucesso escolar, uma vez que o argumento do Executivo para mudar o Estatuto de Carreira Docente foi a promoção do sucesso escolar". Miguel Sousa adianta-se na definição com um exemplo de uma realidade que está presente no seu quotidiano. "A ministra devia perceber que um filho de agricultores que tem de se levantar às 4 horas da manhã para ordenhar a vaca, apanhar o carro para ir para a escola, voltar às 19 horas da noite para novamente ir ordenhar vacas, começar a estudar às 21h e ao outro dia estar a pé às 4h, já tem sucesso escolar!" No entender deste professor "não se pode fazer uma avaliação quantitativa do sucesso escolar sob o risco de reduzir a escola a números".
Outra das suas preocupações em relação à actuação dos sindicatos é "a sua sede de poder", que diz ser " tão grande quanto a dos políticos". A sua posição quanto a este aspecto passaria pela criação de uma Ordem dos Professores. "Para mim o sindicato devia admitir que as questões laborais dos professores são demasiadamente graves e, por isso, justificavam o delegar das questões deontológicas numa eventual Ordem." Mas esclarece: "Isto não significa que Ordem e Sindicatos estivessem de costas voltadas!"

Sindicato em avaliação

Questionado sobre a nota a atribuir à actuação sindical, o professor é peremptório: "Dava nota negativa, claramente! Era necessário bater o pé, não tanto em relação às carreiras, mas contra a tentativa de tornar o professor num burocrata ao invés de um pedagogo. Temos mais papéis para preencher que alunos para ensinar!"
A nota justifica-se ainda por outra critica. Miguel Sousa diz que na discussão em torno das formas como os professores vão ser avaliados, está a ser esquecida a falta de instrumentos para que estes se possam defender de uma avaliação injusta. "Os alunos têm o direito de protestar a nota e os professores não têm esse direito, por isso gostava de ver isso clarificado no Estatuto", contesta.


Bianca Almeida, 24 anos | Professora do 1º ciclo, Ensino Particular e Cooperativo | 3 anos de serviço | Efectiva

Nas formações que tem feito, Bianca Almeida, professora do 1º ciclo tem visto de tudo. "Professores muito empenhados e professores muito revoltados!" A revolta é atribuída à actuação do ministério. Uma situação que, apesar de estar no ensino particular e cooperativo, não a deixa indiferente. "Vejo os professores do ensino público com condições de trabalho difíceis que dificultam a prática de um ensino diferente."

Problemas laborais e alunos

Mas será que as questões laborais dos professores não se estarão a sobrepor aos interesses educativos dos alunos? "Não!", afirma a professora. O facto, esclarece Bianca Almeida, é que "as alterações nas carreiras foram muito significativas e têm tornado muito difícil ao professor saber o que esperar da escola em termos de futuro." A "insegurança" é para a professora a causa de todos os problemas.

Mais greves não!

Neste cenário, a actuação dos sindicatos merece alguns reparos da professora. "Acho que a prioridade de actuação não deveria passar tanto pelas greves, mas antes por procurar estabelecer uma ligação com o Ministério da Educação através de uma via mais suave." O melhor a fazer seria "amansar um bocado as feras", graceja a professora. Mas essa sua visão não encontra feedback na propaganda sindical que Bianca diz receber. "Os panfletos que recebo em casa apelam sempre à 'luta contra' ou à 'greve'", lamenta Bianca, recordando que toda a acção que se repete acaba por perder a sua eficácia. O "alarmismo" com que vê os sindicalistas tratar certas questões também lhe merece críticas. Bianca Almeida vê como excessivas algumas declarações dos sindicalistas que ouve na televisão, sobretudo no que toca à legislação ministerial. "Um decreto-lei pode ser interpretado de várias maneiras, mas acho que muitas vezes os sindicatos só destacam os pontos negativos?"
Apesar de, como insiste em dizer, "ter uma relação aberta com a direcção da escola", Bianca Almeida recorre várias vezes ao seu sindicato. Interessam-lhe as acções de formação que são promovidas pela organização. E é essa parte "formativa" que se reflecte na nota que a professora atribui à actuação sindical: 10.

Pedro Graça | 40 anos | Professor ? associado e membro do conselho pedagógico da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação | 12 anos de serviço |

Uma preocupação de quem participa em órgãos de gestão ? como é o seu caso ? é a "qualificação pedagógica dos docentes", diz Pedro Graça, que critica o facto de a progressão na carreira ser feita apenas a partir de indicadores de produção científica. "São um factor de qualidade pedagógica, mas não só", observa o docente. "Um professor pode escrever vários 'papers' por ano mas estar pouco apetrechado para divulgar ciência numa sala de aula", diz. "No ensino superior faz falta uma forma de valorizar os docentes que investem na investigação e ao mesmo tempo têm boas capacidades pedagógicas", acrescenta Pedro Graça.

Problemas no Superior

Entre outras preocupações sobre o estado do Ensino Superior, Pedro Graça destaca a "fuga de cérebros", ou seja, "a procura dos bons profissionais para outros campos que não a docência", algo que diz acontecer "sobretudo na área das ciências". O problema, aponta Pedro Graça, é económico. "Muitas vezes um professor do ensino público consegue ter um rendimento superior trabalhando apenas meia dúzia de horas fora da instituição de ensino."

Sindicatos mais virados para a formação

Por tudo isto, Pedro Graça gostaria de ver os sindicatos a apostar mais na área da formação. Essa devia ser cada vez mais uma das atribuições sindicais. No entanto, "o sindicato ainda é visto como um corpo reivindicativo ao qual se recorre quando se tem problemas com a entidade empregadora", alerta. O ideal seria que o sindicato actuasse como um parceiro mais presente no que toda à "construção da carreira", na procura de cursos e de formações.


  
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Edição:

N.º 171
Ano 16, Outubro 2007

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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