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Ensino orientado por competências e/ou por conteúdos?

Após a realização das provas de aferição de Língua Portuguesa e Matemática do 4º e 6º anos, li um post intitulado: "PROVAS DE AFERIÇÃO POR COMPETÊNCIAS E/OU POR CONTEÚDOS?"(1). Congratulando-me com a reflexão do autor(2) apraz-me escrever mais algumas notas sobre a temática pela sua pertinência.
Começo por citar o primeiro parágrafo: «Entre as vacilações conceptuais que encontramos no nosso sistema educativo - que são muitas e que não são exclusivas dele -, destaca-se uma que tem desencadeado grande controvérsia nos planos político, académico e prático: "o ensino deve ser orientado por competências e/ou por conteúdos?"».
É verdade que a linguagem conceptual em educação é por vezes rebuscada, confusa, obscura, mas interpelações desta natureza (que o ensino deva ser orientado só por competências ou só por conteúdos), só expõe o nível de desorientação curricular amplamente difundido que poderá acarretar graves resultados no futuro da educação e, consequentemente, ao nível do desenvolvimento do país. Quando nos reportamos às provas de aferição, o mesmo é válido para exames nacionais e testes de avaliação a nível de escola, ainda que o nível de gravidade se acentue, quando deixamos o plano local para nos situarmos no plano nacional. Não podemos aferir ora por competências, ora por conteúdos. Devemos aferir por competência e por conteúdos, ou seja, eles são complementares e não alternativos ou de exclusão. É óbvio que competências e conteúdos são indissociáveis em todo o processo de ensino e aprendizagem. No entanto, não é assim tão inequívoco se analisarmos os critérios que presidiram à elaboração das respectivas provas de aferição do 1º Ciclo (4º ano) e 2º Ciclo (6º ano) respectivamente de Língua Portuguesa e de Matemática para ambos os Ciclos e que podemos consultar no site do "gave" ? gabinete de avaliação educacional (3). Vejamos:
Tal como referido no supramencionado texto da Helena Damião em relação às provas do 4º ano de escolaridade, o mesmo verifiquei em relação às provas de 6ª ano: a prova de Língua Portuguesa foi organizada em função de "competências": "compreensão da leitura", "conhecimento explícito da língua" e "expressão escrita", não havendo qualquer referência a conteúdos ou áreas temáticas; e a prova de Matemática foi organizada em função de "áreas temáticas": "números e cálculo", "geometria e medida", "estatística e probabilidades" e "álgebra e funções", não se fazendo referência a competências, ainda que, do global da informação, se consigam inferir competências gerais: "compreensão de conceitos e procedimentos", "resolução de problemas", "comunicação matemática" e "raciocínio matemático".
Numa leitura atenta aos respectivos documentos do "gave", podemos verificar que as competências são as mesmas a aferir no final de cada ciclo, pelo que ficamos sem saber que competências específicas de cada área disciplinar se pretendeu que os alunos desenvolvessem em cada ciclo ao aprenderem determinados conteúdos (quais?) e que relevância foi dada a cada um.
Quando se elabora um teste de avaliação, exame ou prova de aferição, é imprescindível saber claramente que conteúdos fazem parte do programa sobre o qual incide o referido instrumento, bem como as competências que se pretende que os alunos desenvolvam. Os primeiros, reportam-se aos conhecimentos, aos saberes seleccionados, são "o quê"; e os segundos são as intenções de desenvolvimento dos alunos, ou seja, o "para quê" de determinadas aprendizagens da educação escolar. Isto é importante que esteja claro. Uma coisa não tem sentido sem a outra, ou seja, não tem sentido propormo-nos ensinar conteúdos sem estabelecermos intenções relativamente aos mesmos. Quando se trata da elaboração de instrumentos de avaliação/aferição devemos seguir uma linha de orientação coerente e explicitar claramente os critérios que presidiram à elaboração dos respectivos instrumentos. Acontece que, em relação às provas de aferição do 4.º e 6º ano de Matemática, apenas constam explicitamente os conteúdos e em relação à de Língua Portuguesa, apenas constam explicitamente as competências. Logo, como só dispomos de uma das variáveis, cria-se a possibilidade de o instrumento de aferição não ser válido. Não podemos, por isso, saber se as provas são válidas ou não, porque não temos toda a informação disponível.
Em suma, embora se trate de coisas distintas, com identidade própria, convém não esquecer que os "conteúdos" não são substituíveis pelas "competências" (o inverso, também é verdadeiro), mas devem articular-se de modo consciente e propositado, quer no processo de planificação e organização do ensino, quer na elaboração de testes de avaliação, provas de aferição ou exames.

Notas:

1) O texto pode ser lido na integra em:
http://dererummundi.blogspot.com/2007/06/provas-de-aferio-por-competncias-eou.html
2) Helena Damião, Professora Auxiliar da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra
3) Cf. http://www.gave.min-edu.pt/np3/7.html


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 170
Ano 16, Agosto/Setembro 2007

Autoria:

Fátima Linguiça
Mestre em Ciências da Educação. Prof. EBI do Carregado
Fátima Linguiça
Mestre em Ciências da Educação. Prof. EBI do Carregado

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