Página  >  Edições  >  N.º 169  >  Marxismo e educação - depoimento de Manuel António Silva

Marxismo e educação - depoimento de Manuel António Silva

Manuel António Silva
Instituto de Educação e Psicologia
Universidade do Minho

"O Marxismo é uma corrente de pensamento que se preocupa com as desigualdades existentes no mundo e do modo como elas resultam em profundas disparidades entre as pessoas. Deste ponto de vista, poderíamos dizer que somos todos marxistas ? ou marxianos, se assim lhe quisermos chamar, ou seja, mais próximos de Marx do que propriamente das correntes que dele derivaram ? e que as bases que serviram de construção ao questionamento marxista estão intactas, permanecendo válidas em termos históricos e científicos.
O significativo progresso social verificado nos países do centro levou grande parte da população a pensar que esse processo era irreversível, que deixaria de haver uma divisão social baseada em classes, numa relação marcada por interesses antagónicos. Esta ideia, como se constata hoje em dia, está a revelar-se falsa, porque o retrocesso social a que temos vindo a assistir é cada vez maior.
Diria que, nesta perspectiva, o pensamento marxista adquire relevância no meu trabalho a partir do momento em que se reflecte na formação dos alunos desta universidade, quando procuro que saiam daqui com uma forma diferente de olhar e de interpretar o mundo, desnaturalizando aquilo que é o resultado de relações sociais muito concretas.
Estamos a falar de pessoas que vão trabalhar em autarquias, em programas de luta contra a pobreza, em intervenção comunitária. Ora, como podem elas trabalhar nestas áreas, construir um documento, definir uma grelha avaliativa da realidade se não adquirirem uma consciência política e referências que lhes permitam estarem atentas aos factores que geram essas mesmas situações? Quando se diz que a universidade deve preparar para a vida, penso que é este tipo de preparação, que questiona a sociedade e as suas desigualdades, que faz sentido desenvolver.
De resto, procuro estender esta atitude à própria universidade, mais concretamente às ofertas educativas proporcionadas pelo Instituto de Educação e Psicologia, trabalhando no sentido de desenvolver um projecto educativo concreto e objectivo. Porque se ele existe, está oculto. Não há um programa para o exterior que afirme a oferta do instituto, porque razão o faz e em que medida se distingue dos restantes.
Os países da semi-periferia, como Portugal, não têm qualquer hipótese de concorrer com os centros de saber do centro, nomeadamente os anglo-saxónicos. Daí termos de apostar numa formação baseada em valores humanos, como acontece com algumas instituições latino-americanas, de que é exemplo a Universidade de Buenos Aires.
Para isso, é preciso partir de uma análise do mundo e das tendências de desenvolvimento, conjugando a política, a economia e o trabalho, e aplicá-la às áreas da educação e da formação, analisando o que isso pode produzir a nível de mestrado para percebermos até que ponto estamos ou não a contribuir para a situação que herdamos ou para uma situação mais justa.
A minha esperança é que esta dinâmica possa servir de contracultura face ao pensamento dominante, face a uma sociedade que naturalizou as desigualdades e que considera a ascensão social uma responsabilidade individual baseada no mérito.

(Depoimento elaborado a partir de entrevista)


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 169
Ano 16, Julho 2007

Autoria:

Manuel António Ferreira da Silva
Instituto de Educação e Psicologia da Univ. do Minho
Manuel António Ferreira da Silva
Instituto de Educação e Psicologia da Univ. do Minho

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo