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"Here we go again"

Breves notas sobre o Plano Nacional de Acção para a Inclusão (PNAI)

"Here we go again" este é o refrão de uma bem conhecida canção de Ray Charles reforçado ainda pelas palavras "one more time". Como profissional de longa data no campo da Pobreza e Exclusão Social (na minha carreira desde sempre), ao pensar na "nova" geração do PNAI (2006-2008), as palavras desta canção invadiram-me como um contexto adequado. E, então, pensei nas razões e revi a canção.
Antes de mais porque "I?ve been there before", ou seja a ideia de. de novo («again») fez-me pensar sobre o historial das políticas e iniciativas neste campo. De facto, desde 1974 que iniciativas da Europa Comunitária têm sido desenvolvidas com objectivos, agentes, formatos e impactos sócio-políticos diversos. Ao longo deste processo, e em síntese, pode constatar-se que o peso destes problemas na agenda tem sido diverso e com distintos tipos de influência. Alguns analistas sociais consideram que, no presente, se está a viver um entusiasmo muito (excessivamente) moderado face a tais problemas, não porque a pobreza e a exclusão social tenham desaparecido (bem pelo contrário aumentaram e ganharam maior densidade). Olhar de novo («again») para o campo da pobreza e exclusão social significará, entre outros aspectos, tirar proveito dos anteriores resultados. Reconhecer e usar o capital de conhecimento e experiência baseados em anteriores investimentos pode proporcionar o ambiente adequado para melhorar e redireccionar este "novo" PNAI. Com este propósito, outras perspectivas e orientações podem configurar-se como mais amigas das mudanças necessárias.
Uma segunda sugestão surge associada à palavra «here» (aqui) e com ela dar expressão ao contexto em que vivem as políticas e com o qual interagem e visam mudar. O actual PNAI abre uma oportunidade significativa para um exercício rigoroso e transparente de leitura e interpretação consequente da realidade societal. Contribuir com diagnósticos actualizados, torná-los explícitos e amigos de visões e experiências ousadas é (ainda) uma operação desafiante e de potencial alternativo face a compreensões estáticas e meramente estatísticas da realidade social.
Um outro aspecto contextual está relacionado com a incidência das orientações ora voltadas para atenções territorializadas, ora para a especificidade vital e indissolúvel de certos (e crescentes) grupos sociais. De facto, a necessidade de mais iniciativas de carácter territorial pode curto-circuitar ou adiar as necessidades urgentes de grupos específicos. Conceber, implementar e acompanhar intervenções adequadas abrange uma significativa diversidade de níveis tais como os investimentos locais e regionais (além das dimensões nacional e europeia) e, simultaneamente, junto de grupos e indivíduos cuja situação e processos exigem ser singularizados.
A forma de ir («to go») é também sugestiva para algumas reflexões adicionais. O PNAI de nova geração incorpora uma variedade de formas, i) desde as que ponderam a sua duração em tempo (entre as de imediato prazo, às de média e mais longa duração), ii) às que escolhem diversos momentos do ciclo dos problemas para intervir (medidas preventivas, reparadoras e de promoção) e, ainda, iii) em conformidade com a pluralidade de dimensões a considerar (rendimentos, equipamentos sociais, acesso aos direitos, entre outras). Importa incorporar intervenções ajustadas e justas. Honrar os procedimentos formais para um bom planeamento e implementação, não pode justificar o adiamento ou mesmo subalternização da orientação para alcançar intervenções efectivamente justas, isto é, aquelas que colocam como questões centrais o critério e as práticas de justiça (o que nalgumas ocasiões e contextos é visto como uma orientação já ultrapassada no tempo).
Um outro tópico final de reflexão é traduzido pela palavra «we» (nós) a qual sugere alguns outros aspectos. Efectivamente, em anos recentes a noção de enfrentamento individual é muito enfatizada no campo da intervenção social, designadamente por força da orientação para a activação individual, a qual inspira e anima um conjunto significativo de medidas de política. A dimensão individual é frequentemente contagiante das actuações profissionais, deixando-as com uma responsabilidade tremenda (e mesmo desproporcional) para alcançar o sucesso das iniciativas. A responsabilidade colectiva não sendo um aspecto inovador, clama, todavia, concepções e práticas inovadoras. Duas conhecidas áreas de prática podem ser o desenvolvimento e consolidação da interferência da sociedade civil e, por outro lado, o papel das políticas públicas. No PNAI poder contar com um Fórum Não Governamental para a Inclusão Social (FNGIS) é um aspecto promissor por várias ordens de razões. Em acréscimo às contribuições dadas durante a fase de concepção e desenho do plano português, deu-se início a um acompanhamento reflexivo e interrogante.
Espera-se poder alcançar um envolvimento efectivo por parte dos grupos de destinatários, não apenas na base da sua representação, mas também oportunizando espaços de presença directa para os cidadãos que vivenciam a condição de pobreza e exclusão. Focar o debate destas experiências é consentâneo com os objectivos do Fórum (não governamental) e significa mais do que atender exclusivamente à implementação do Plano (apesar da importância de bem implementar). Esta pode ser uma interessante oportunidade para mais e melhores experiências segundo a abordagem da parceria.
Outro aspecto é o da relação com as políticas públicas, isto é, o que pode vir a ser a contribuição para uma compreensão e intervenção colectivas em direcção à reconfiguração dessas políticas. A erosão e até descrédito das políticas públicas pode encontrar na dimensão colectiva (we) a direcção alternativa para novas formas de redistribuição no campo do bem estar e, principalmente, nas áreas de maior proximidade com a provisão de padrões suficientes de vida (no que a responsabilidade pública é um bem inalienável).
"Here we go again" em vez de um convite para perspectivas "dèja vue", sugere, sim, uma repetição única ? a da (re)criar um processo justo e adequado com capacidade de contrariar os factores que reproduzem e complexificam a pobreza e exclusão social e para uma agenda onde caiba a irradicação destes problemas. Assim sendo ?"Here we go again"


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 168
Ano 16, Junho 2007

Autoria:

Fernanda Rodrigues
Univ. do Porto, FPCE
Fernanda Rodrigues
Univ. do Porto, FPCE

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