Nascido em Mira (1947), Luís Miranda Rocha viveu e estudou em Viseu, Lisboa e Coimbra, onde se licenciou na Faculdade de Letras em Estudos Portugueses. Foi jornalista do "Diário de Lisboa" durante vários anos até se radicar na cidade do Mondego para se dedicar ao ensino na área da Comunicação e do Jornalismo, Técnicas e Teoria da Comunicação. Foi colaborador regular de jornais e revistas literárias, com destaque para "Jornal de Notícias", "Jornal do Fundão" e "Colóquio-Letras", onde fez sair críticas de poesia sempre muito rigorosas e lúcidas. Publicou diversos livros de poemas desde 1968 e de crítica e ensaio literário, como "Limite Limiar", "Para uma Introdução a Roberto de Mesquita" ou em finais de 2006 "Fingimento e Estética" (Fernando Pessoa numa perspectiva de comunicação e dos meios). Pelo regular exercício da crítica, Luís Miranda Rocha foi na verdade um leitor que no plano da poesia evidenciou uma capacidade acutilante, ao mesmo tempo que esse exercício o não impediu de publicar os seus livros de poemas ou estudos críticos em redor de outros poetas, como nessa "introdução" ao poeta açoriano Roberto de Mesquita. Na releitura que, diante da notícia triste da sua morte súbita, faço de "Os Arredores do Mar" (1993) e na decifração dos sons e palavras que ainda me chegam, importa falar da emotividade sentida nos seus versos, que soam como ecos nostálgicos de quem viveu na grande cidade, na memória e saudade do mar e da noite vivida pelos campos e paragens de Mira, numa Gândara perdida entre Coimbra Aveiro. Assim, nas seis partes em que o livro se divide, na expressividade contida de o seu discurso poético se desdobrar na "memória" de outros rios e lugares, o que sobressai é o propósito memorialista e comovente de pensar Lisboa nesse "rumor do dia entardecendo", ainda na lembrança de Cesário, mas no ímpeto de o "som do mundo ser irreal que parece um artifício". E a noite se confunde por entre tumultos vários, que podem ser do mar ou do mundo, na vaga sensação de tudo se perder na avalanche de gentes, casas, lugares de desassossego, nos nítidos e sonoros rumores de tudo ser um "impulso forte, um estertor, que se desloca, um desvario". De facto, o sentido literário da imagística de Luís Miranda Rocha, na fluidez ou brevidade de muitos dos poemas, tece-se no entrecruzar de sons e vozes que chegam de longe e o acompanham na sincera divagação de não querer estar no mesmo sítio ou o discurso se construir pelo incessante apelo do mar, desse mar que pode ouvir da sua janela, na nostálgica e perdida Mira das paragens Gandaresas. Mas, no "cansaço manso e triste de Lisboa", entre jornais e viagens para a outra banda, no tumulto de gentes amassadas em autocarros e cacilheiros, ergue-se essa "extensão do real, distensão do sentido, da distinção entre real e irreal", porque a poética de Miranda Rocha se entrelaça nos fios de uma memória das coisas, da noite e do mar, na presença obsidiante de imagens que flutuam entre o "sim" e o "não", o "sentir" e o "pensar", o "vivido" e o "sonhado". Mas é na contenção do seu discurso poético que se vislumbram as linhas demarcantes de um "sentido" que forma e enforma uma poesia das mais inovadoras dos anos 70 e 80. Trata-se, pois, de uma "poética" que assenta as suas linhas de força numa visão sentida do real quotidiano em força e sinceridade, por entre muitos clamores e rumores da noite e do mar, da vida e do sonho, da arte e da poesia. E ainda posso escutar essa longínqua e perdurável voz do mar: Aos litorais pertence, o sentido que anda no ar e desliza, vagueia veloz. Pressente-se que vem, o mar real avança, escuro, sonoro, insonoro claro. E, ficando a meio da leitura do último ensaio "Fingimento e Escrita", prometo em breve evocar nestas páginas a presença literária de Luís Miranda Rocha pelo que a sua o9bra representa na moderna literatura portuguesa.
Pós-escrito Olha, Luís, releio a tua última carta de 16.Dezembro.2006, na qual me davas várias notícias e uma delas era a de que, após três anos de baixa médica e sem conseguires a reforma, voltaste a dar aulas em Coimbra no meio do teu martírio. É verdade, meu amigo, os médicos não entendem patavina das amarguras dos poetas. Mas dizias ainda que em breve me farias chegar às mãos um ensaio sobre a obra de Carlos de Oliveira, que também morreu aos sessenta anos.. Fico à espera. Sei que mo enviaras do teu sossego tumular ou por interposta pessoa. E falavas do teu (e meu) interesse em nos encontrarmos brevemente em Coimbra ou no Porto, onde passei a viver depois de quarenta anos em Lisboa. E, ao contrário de ti que lá nunca voltaste a pôr os pés, eu ainda continuo preso às paragens da capital, sobretudo pelos filhos e pelos netos. Até sempre, caro amigo!
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