Página  >  Edições  >  N.º 168  >  Madie e Miguel

Madie e Miguel

Miguel terá já ouvido falar muito de Madeleine, a menina que desapareceu na praia da Luz, mas Madie não conhece este menino de Rio Tinto. Nem ela, nem os milhões de pessoas que se compadecem pelo desaparecimento da menina inglesa. A história desta criança portuguesa é simples e, ao mesmo tempo, brutal: tem 12 anos, sofre de um cancro, fez sucessivos tratamentos e agora não pode ir à escola. Porquê? Porque é alvo de violência física e psicológica por parte dos colegas. A sua debilidade motiva a troça permanente da turma. Este caso vinha relatado na edição do dia 19 de Maio do jornal "Público", num muito oportuno artigo da autoria da jornalista Ana Cristina Pereira.
Esta história é, para mim, do domínio do inverosímil. Numa escola de Rio Tinto, um menino de 12 anos tem sido, desde o início do ano lectivo, vítima de agressões por parte dos seus colegas. Esta criança sofre de um cancro no sistema nervoso central. Nos últimos anos, esteve várias vezes internado, passou por sucessivos tratamentos de quimioterapia e radioterapia, o que lhe provocou uma visível debilidade física e uma calculável fragilidade psicológica. Ninguém poderá decerto calcular o sofrimento desta criança e da sua família, nem tão pouco imaginar aquilo por que passam. Mesmo assim, Miguel e os pais resistem, persistindo em lutar por se integrarem na normalidade do dia-a-dia que lhes é possível.
Em Setembro último, este menino iniciou o ano lectivo numa escola de Rio Tinto, mas este tempo não tem sido fácil para ele. Os colegas de turma agridem-nos verbal e fisicamente, não percebendo que esta criança é a mais forte de todos eles. Porque, apesar do sofrimento, está ali: na escola. A jornalista Ana Cristina Pereira relatava assim esta inacreditável situação: " Chamam-lhe 'surdo', por ter perdido parte da audição com os tratamentos. Chamam-lhe 'porco', por não usar o balneário. Um dia, um dos rapazes apanhou-o no corredor e 'obrigou' outro a puxar-lhe as calças. Já lhe aconteceu encontrar a mochila 'cheia de ranho'...". Confrontado com este inacreditável ambiente escolar, Miguel recusa-se a ir à escola. Quem são as crianças que maltratam o Miguel? Como pode a escola passar por isto sem nada fazer? O que sabem os pais dos 'agressores' sobre a violência que os filhos estão a exercer naquela indefesa criança? Olho de novo a manchete do "Público" ("Violência de colegas obrigada criança com cancro a deixar a escola") e tenho muita dificuldade em integrar o relato jornalístico no plano da realidade. Como pode acontecer tal coisa nas nossas escolas?
Mais a sul, Madie continua, num dia em que escrevo este texto, desaparecida. Não sei falar da dor do casal McCann, porque acho que nenhuma palavra consegue aproximar-se daquilo que sentem. Neste enorme sofrimento, Katie e Gerry têm sido acompanhados por milhões de pessoas, que através dos media, seguem permanentemente o caso. Em meados do mês de Maio, ao passar pelo aeroporto de Lisboa, vi a fotografia da menina em grande destaque em todos os balcões de embarque. Permanecendo em Milão durante alguns dias, ouvi muitos italianos falarem do desaparecimento de Madeleine do Algarve. O site da menina recebeu nas primeiras 24 horas, cinco milhões de visitas (http://www.findmadeleine.com <http://www.findmadeleine.com/> ).
Todos os esforços, todos os meios, todos os recursos poderão ser justificados na busca da pequena Maddie. Como na busca de outros desaparecidos. Basta 'clicar' em http://www.policiajudiciaria.pt/htm/pessoas_desaparecidas/madeleine.htm <http://www.policiajudiciaria.pt/htm/pessoas_desaparecidas/madeleine.htm> para saber que outras pessoas carecem de auxílio. Pela minha parte, gostava que a onda de solidariedade para com a pequena menina inglesa se estendesse ao menino de Rio Tinto. Miguel precisa de ajuda para poder continuar a ir à escola sem correr o perigo de ser agredido pelos colegas. E nem é necessário fazer assim tanto esforço para resolver parte do seu sofrimento. Terá esta história poder para levar as entidades competentes a agir com rapidez e eficácia? Grave, pelo menos, é. E muito.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 168
Ano 16, Junho 2007

Autoria:

Felisbela Lopes
Professora de Jornalismo na Universidade do Minho
Felisbela Lopes
Professora de Jornalismo na Universidade do Minho

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo