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Importa substituir o Produto Interno Bruto (PIB) pela Felicidade Interna Bruta (FIB)

Em 1999 o papa Wojtyla disse que o Inferno não era um lugar, mas uma situação. Se não havia Inferno não havia demónios, pensei. Também disse que o Céu não estava nas nuvens. Os anjos perderam o emprego, conclui. Acrescentou que a inocência e a maldade seriam premiados e castigados na terra. Fiquei entusiasmado.
Agora em Março de 2007, o papa Ratzinger, contradizendo Wojtyla, veio reafirmar que o Inferno existe e é eterno. Voltei à realidade.
Já não nos bastava sermos governados por Sócrates! Estamos de novo sujeitos ao demónio e ao fogo eterno! E o Céu está lá, muito cuidado!
Não se pode acreditar no discurso bondoso do poder. Depois das promessas de alivio vem sempre a paulada. É bom lembrar.

1. A História regista os acontecimentos relevantes relacionados com a transformação da vida de um povo ou da humanidade. Os rituais são usos e costumes, regras e cerimónias que estruturam a exteriorização da religiosidade ou espiritualidade de um grupo humano.
No primeiro dia deste mês de Maio «celebrou-se» pela 116ª vez o «dia do trabalhador». E mais uma vez me interroguei sobre se tal «celebração» foi mais ritualista ou mais histórica.
Para contextualizar algumas ideias que aqui queria deixar, e para lembrar os mais distraídos, deixo uma síntese, retirada da Wikipédia, sobre os motivos pelos quais pudemos ter em 1 de Maio mais um feriado.

2. "No dia 1 de Maio de 1886 realizou-se uma manifestação de trabalhadores nas ruas de Chicago nos Estados Unidos da América. Essa manifestação tinha como finalidade reivindicar a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias e teve a participação de centenas de milhares de pessoas. Nesse dia teve início uma greve geral nos EUA. No dia 3 de Maio houve um pequeno levantamento que acabou com uma escaramuça com a polícia e com a morte de alguns manifestantes. No dia seguinte, 4 de Maio, uma nova manifestação foi organizada como protesto pelos acontecimentos dos dias anteriores, tendo terminado com o lançamento de uma bomba por desconhecidos para o meio dos policias, que começavam a dispersar os manifestantes, matando sete agentes. A polícia abriu então fogo sobre a multidão, matando doze pessoas e ferindo dezenas. Estes acontecimentos passaram a ser conhecidos como a Revolta de Haymarket.
Três anos mais tarde, a 20 de Junho de 1889, a segunda Internacional Socialista reunida em Paris decidiu, por proposta de Raymond Lavigne, convocar anualmente uma manifestação com o objectivo de lutar pelas 8 horas de trabalho diário. A data escolhida foi o 1º de Maio, como homenagem às lutas sindicais de Chicago. Em 1 de Maio de 1891 uma manifestação no norte de França é dispersada pela polícia resultando na morte de dez manifestantes. Esse novo drama serve para reforçar o dia como um dia de luta dos trabalhadores e, meses depois, a Internacional Socialista de Bruxelas proclama esse dia como dia internacional de reivindicação de condições laborais."

3. Note-se o fim do texto: «... proclama esse dia como dia internacional de reivindicação de condições laborais». O que nos coloca a questão de saber se o que os trabalhadores devem procurar, neste e noutros dias, é reivindicar as condições em que trabalham no contexto da sociedade capitalista, ou se é esta mesma que devem por em causa. Na minha perspectiva é perguntarmo-nos se devemos dar a estas iniciativas uma perspectiva histórica ? como transformar a vida dos povos ? ou uma perspectiva ritualista como acomodarmo-nos na sociedade que temos.

4. O primeiro de Maio tem vindo a ser cada vez mais um acontecimento em que, anualmente, se repetem gestos, atitudes, discursos, rituais. De onde ressalta uma doutrina que o tempo fixou e tornou rígida. Uma doutrina que assume os trabalhadores como subalternos do capital e que protestam para se reproduzirem como subalternos. E, mais do que um tempo e um espaço de participação construtiva dos trabalhadores, se nos afigura como um espaço de celebração ritualista presidida pelos sacerdotes emanados do mundo do trabalho. Mais do que tempo e espaço revolucionário é de religiosa acomodação. E quem não se acomode à religiosidade da data corre o risco de ser excomungado pelos sacerdotes deste outro templo.

5. Confesso a minha preferência pelo processo histórico. Isto é, um processo que retenha as aspirações iniciais ? a libertação e a dignificação do trabalho humano ? e que saiba caracterizá-lo e compreende-lo em cada momento histórico dando-lhe a resposta de acordo com os sinais do tempo. Mais do que participar ou ver passar a procissão e ouvir os anquilosados discursos dos sacerdotes do povo trabalhador, eu preferia que este dia fosse aproveitado para chamar o povo ao debate ? em múltiplos espaços e de muitas maneiras ? da vida que tem, aquela que vivem, e os modos de a transformar. Numa palavra, penso que é tempo de repensar as práticas das lutas sociais, de questionarmos a doutrina, de nos despirmos da religiosidade que fomos assumindo, de por de lado os velhos ritos e de criar novas formas de pensar e de agir no sentido de transformar, de facto, a vida e o mundo.

6. O problema de fundo que continua a colocar-se aos trabalhadores é o de saber como ultrapassar a sua subjugação aos ditames do capital, escapando à exploração a que são sujeitos e impondo a supremacia do trabalho humano sobre o dinheiro. Como libertar o trabalho humano? Que novo sentido lhe dar? Como repensar a organização da sociedade sem perder as conquistas civilizacionais e o bem-estar de que já beneficiam algumas populações? Como organizar o mundo de forma mais solidária? Como combater as desigualdades no seio de cada povo e entre povos e nações? A questões como estas não se responde com os velhos rituais que não são mais do que cristalizações de tentativas de resposta a velhos objectivos.

7. O mundo está doente por causas muito variadas, mas os «especialistas» da classe dominante entretêm-se a fazer-lhe o diagnóstico centrados sobre o crescimento económico! As organizações de trabalhadores devem perceber que não podem deixar-se arrastar por estes diagnósticos, mesmo que seja para os contestar. É tempo de mudar de termómetro. É tempo de encontrar outros critérios e modos de avaliar e de compreender a realidade. Ao diagnóstico dos «especialistas» é preciso saber contrapor o nosso próprio diagnóstico.

8. Os «especialistas» do capitalismo impuseram por toda a parte, como paradigma, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e como maior objectivo das sociedades o seu crescimento económico. Nos últimos 50 anos o PIB não parou de crescer e com ele cresceram a pobreza, as desigualdades sociais e a destruição do meio ambiente. A verdade é que a vida em sociedade não é um valor monetário e comparar a vida de um bosquimane com a de um nova-iorquino não faz sentido. São precisos novos critérios para avaliar as sociedades. Ao PIB capitalista já há quem contraponha a Felicidade Interna Bruta (FIB) como forma de medir e comparar a qualidade de vida dos povos. São outros critérios a exigir outras políticas e outra economia.

9. Ao conceito de Felicidade Interna Bruta (FIB) talvez possamos associar a de «Economia Social». Ela é um modo de produzir riqueza tendo como objectivo fundamental trazer bem às pessoas. Um «lucro social» em vez de «um lucro económico». Fazer o bem em vez de fazer dinheiro. Usar o dinheiro para responder a necessidades sociais e pessoais e não como forma de fazer mais dinheiro. O sucesso económico entendido numa empresa sem lucros e sem prejuízos e que apresenta como mais valias a felicidade que dá às pessoas. São outros caminhos a pensar e desenvolver.

10. Já não é só a libertação dos trabalhadores e de todos os excluídos que hoje está em jogo. É também a sobrevivência do planeta e da humanidade. O modelo económico vigente, para além do mal imediato que faz a milhões de pessoas, é um modelo suicidário. O dramatismo da situação obriga-nos a repensar as nossas convicções, conceitos, preconceitos, crenças e práticas. Obriga-nos a pensar antes de agir. Impõe que se questionem religiosidades duvidosas. Pede-nos que nos empenhemos na procura de outras práticas que promovam o desenvolvimento de novas alternativas de vida, mais favoráveis à vida humana e ao planeta que nos acolhe. Reinventemos, pois, o 1º de Maio.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 167
Ano 16, Maio 2007

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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