Página  >  Edições  >  N.º 167  >  Pelo direito a uma escolha individual

Pelo direito a uma escolha individual

Marcha Global pela Marijuana estreia-se no Porto

O Porto juntou-se este ano a mais de duas centenas de cidades mundiais na Marcha Global pela Marijuana (MGM), um movimento internacional que pretende pôr fim ao proibicionismo da cannabis. Procurando lançar um amplo debate público sobre a legalização da marijuana, a «MGM Porto» é uma iniciativa apartidária que conta com o apoio de médicos, professores, investigadores, artistas, músicos, escritores, trabalhadores sociais e diversos representantes do mundo associativo. Para sabermos mais sobre esta iniciativa, que decorreu no dia 5 de Maio, entrevistamos João Carvalho, um dos porta-vozes da «MGM Porto».

Qual é o objectivo desta iniciativa? Sei que se insere num movimento mais amplo à escala mundial...

O objectivo da realização da Marcha Global pela Marijuana no Porto foi trazer para a rua, e daí para a opinião pública portuense e portuguesa, a temática das drogas leves, como consumo que parte de uma escolha individual que deve ser respeitada. Desejamos que este consumo, massificado e transversal na sociedade, seja consciente e informado, o que apenas é possível com a legalização da cannabis. A marcha inseriu-se num movimento global, como o nome indica, que este ano se realizou em 226 cidades um pouco por todo o Mundo.

Que outras medidas estão a pensar desenvolver no sentido de procurar dar um desfecho legal favorável à vossa proposta? Estão integrados em algum movimento internacional ou europeu que esteja a desenvolver esforços nesse sentido?

Ao trazer pela primeira vez a marcha para a cidade do Porto procuramos alcançar a vanguarda europeia e internacional na abordagem à questão do consumo da cannabis e do seu auto-cultivo, bem como do seu uso medicinal. Em outros países, muitos deles que optaram por uma postura muito mais realista e informada, respeitando a liberdade das escolhas individuais e a potencialidade clínica da cannabis, estas iniciativas contam já com largos anos de experiência.
Se é verdade que as marchas ou paradas em prol da legalização da cannabis ? ou, melhor dizendo, re-legalização, pois as leis proibicionistas datam da década de 30 emanando dos Estados Unidos com conhecidos maus resultados) - têm já historial um pouco por todo o mundo, o mesmo se aplica na constituição de associações de consumidores, que procuram informar os seus associados e oferecer ajuda jurídica em caso de apreensões policiais. Como exemplo deste associativismo basta olhar a vizinha Espanha em que praticamente cada província e cidade possui uma associação deste tipo.
Neste sentido, o passo seguinte será, obviamente, constituirmo-nos formalmente enquanto associação de defesa do consumidor de cannabis.

Existem opiniões díspares sobre os efeitos da cannabis na saúde dos consumidores. A cannabis pode ser considerada, de facto, uma droga como qualquer outra?

Tanto as vantagens como as desvantagens do consumo da marijuana são transmitidos de forma objectiva e segura no contexto da legalidade. A cannabis é, de facto, uma droga como qualquer outra, como o tabaco, o álcool, os tranquilizantes, o café ou o chá. Aliás a palavra "droga" apenas tomou o cunho pejorativo dos dias de hoje por força das políticas proibicionistas, mais preocupadas com a tentativa de imposição de uma certa moralidade do que em lidar frontalmente e sem tabus com o consumo de substâncias alteradoras da consciência.
Após o movimento hippie nos Estados Unidos e o Maio de 68 em França, a Holanda aparece, até aos dias de hoje, como paradigma de respeito pela liberdade pessoal no que toca ao consumo de drogas leves.

A legislação portuguesa referente ao consumo de cannabis é considerada uma das mais avançadas da Europa. Acha que seria possível avançar um pouco mais nesta matéria?

A nível legislativo, Portugal encontra-se apenas atrás precisamente da Holanda, e em certa medida da Suiça e da Alemanha, no que toca ao uso recreativo da cannabis, estando um pouco atrás de outros países no que toca ao uso medicinal. Estamos à frente da própria Espanha, onde, como já referi, o associativismo e a reinvindicação da legalidade da cannabis já faz escola. Desde 2001, Portugal tomou o rumo certo na abordagem política do consumo de drogas, tendo nesse ano sido discriminalizado o seu consumo.
Desta forma, o passo seguinte é a legalização da cannabis, tendo como objectivos a defesa dos consumidores, alertando para as desvantagens, apelando a um consumo consciente, à garantia da qualidade do produto, separando as drogas leves dos mercados das drogas duras, terminando com um mercado negro isento do pagamento de impostos, tornando o comércio global das drogas um "comércio justo" para os produtores nos países de origem, e várias outras questões que, em última análise, se prendem com o respeito das escolhas individuais.

Apesar de estar habitualmente associada a um uso recreativo, a cannabis possui igualmente valor a nível medicinal e industrial. Pode adiantar um pouco mais sobre estes usos?

Começaria pelo uso medicinal, pois está ainda encoberto pelo manto da ilegalidade. A cannabis faz parte, desde tempos imemoriais, das farmacopeias à escala planetária, quer se trate de sociedades do hemisfério norte ou sul. É uma planta com provado potencial médico, utilizada, desde há milénios, nomeadamente pela civilização chinesa.
Actualmente, o seu uso medicinal surge associado sobretudo ao alívio de dores e da indisposição causada por doenças crónicas e terminais como o VIH ou o cancro. O seu uso é igualmente reconhecido na redução da pressão intraocular de uma doença oftalmológica, o glaucoma.
Em relação ao seu potencial e aproveitamento industrial, é sabido que até finais do século XIX e inícios do século XX, antes do aparecimento das indústrias petroquímicas, o cânhamo-de-cannabis foi uma das culturas agrícolas mais importantes do nosso planeta, fornecedor da maior parte das indústrias, envolvendo milhares de produtos e empresas, produzindo a maioria das fibras, tecidos, óleo de iluminação, papel, incenso e medicamentos da Terra. Era, além disso, uma fonte primária de óleo alimentar e proteínas essenciais para seres humanos e animais. Ao associar-se apenas negativamente o cânhamo/cannabis a um narcótico, despreza-se o seu aproveitamento industrial.
Na urgência de alternativas ecológicas aos combustíveis fósseis, surge um dado científico inquestionável: o cânhamo produz por hectare cerca de 9.350 litros de metanol, um combustível de origem vegetal que pode inclusivamente ser utilizado para a aeronáutica.
Toda esta panóplia de usos é já legal e alvo, inclusivamente, de subvenções europeias. No entanto, a desinformação, associada aos fortes lobbies da indústria petroquímica, impedem que o cânhamo retome o lugar de versátil matéria prima.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 167
Ano 16, Maio 2007

Autoria:

João Carvalho
Porta-voz da MGM Porto - Marcha Global pela Marijuana
João Carvalho
Porta-voz da MGM Porto - Marcha Global pela Marijuana

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo