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Do ritual retorno à reflexão sobre a prática pedagógica - I

"Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê Gigantes"
António Gedeão

Retorno à acção pedagógica na Universidade e, em particular, nos tempos e modos da Sociologia (1). Retorno ritual, implicado nos momentos de suspensão que a progressão na carreira exige e motiva. Suspensão, afinal, numa aproximação à reflexão monitorizada das rotinas. Suspensão, ainda, porque as preocupações pedagógicas, mesmo que incorporadas (e geradoras, por isso, de esquemas de percepção e de avaliação da realidade circundante, maxime das práticas propriamente pedagógicas) raramente são pensadas em contextos específicos. Mesmo o tão badalado processo de Bolonha transformou-se, num ápice, em engrenagem tecnocrata de gestação de ECTS, rareando a procura de novos caminhos para os ofícios de professor e de aluno, para a relação de aprendizagem que a ambos envolve e a ambos é suposto transformar. Retorno circular, afinal, sem dele nunca ter saído...
Três notas prévias: o autor destas linhas não pratica a aula magistral; não concebe a relação pedagógica como prática isolada, nem coloca fronteiras entre a sua prática como investigador e as suas actividades docentes. Todas as notas requerem um breve trabalho de explicitação.
A primeira tem como pressuposto que o docente não se coloca na posição do tecnocientista que concebe a sua intervenção como exterior à realidade pedagógica. Esta, por sua vez, está longe de se conter nos apertados espaços da sala de aula e da Universidade, convocando a relação entre o sistema formal de ensino, os habitus dos agentes implicados, a territorialidade entendida como uma determinada produção e apropriação das várias escalas de espaço-tempo, os múltiplos, concorrenciais e anteriores agentes de socialização, a definição de uma política pública educativa e a sua inserção nas lógicas de transnacionalização. Por um conjunto de disposições fortemente incorporados, a que em nada será alheio o meu próprio percurso como estudante (e, em particular, como estudante de sociologia), a precoce leccionação de sociologia da educação (logo no primeiro semestre do início da minha experiência docente) e a elaboração de programas de pesquisa que cruzam matrizes substantivas e adjectivas da já referida sociologia da educação, com a sociologia da cultura e da juventude, cedo me apercebi de como a posição soberana favorece uma lógica de imposição simbólica que, além do mais, mesmo que afectando os alunos mais frágeis (económica, cultural, social, simbólica e emocionalmente) corre ainda o risco de não ser reconhecida porque impossível de dissimular e de escapar à comparação com outros modos de leccionar. Esta atitude ou postura consubstanciada na aula magistral colhe, quando muito, o «privilégio» da adesão distanciada(2) dos alunos mais expostos a processos precoces de sobreescolarização, ou, se preferirmos, de exposição a uma sobredosagem de mecanismos convencionais de institucionalização. Por que razão, no entanto, continua esta postura, este «modelo», a ser praticado? Em boa medida por impreparação pedagógica dos docentes do ensino superior, autodidactas neste ofício de aprender ensinando a aprender. Pelo défice de espaços autónomos de estruturação de um habitus docente fundado no intercâmbio de experiências pedagógicas (como se o que se passa na sala de aula fosse silêncio de quem lá anda...). Mas, também, por facilitismo, por notória preguiça intelectual, por um desfasamento, tantas vezes comodamente dúplice, entre os conteúdos leccionados (violência simbólica, acção pedagógica, dominação cultural, desigualdades sociais e reprodução, institucionalização, poder, poder simbólico, teoria da estruturação, etc., etc.) e a forma de os leccionar. Como se a forma não fosse, também, conteúdo...Vislumbro, ainda, uma outra possibilidade de justificação retórica deste regime de acção: a eficácia. Se, de facto, o professor permanecer exterior face à realidade que se pretende transformar (os alunos); se neles vir, apenas, massa homogénea e consumidora, os programas são cumpridos, a indisciplina, em alunos superiormente adestrados, não será problema a resolver e, principalmente, reduz-se exponencialmente a possibilidade de eclosão do imprevisto. Ora, a aula magistral cabe, antes de mais, no «modelo» de um repetidor que cria repetidores ou nos docentes messiânicos, imbuídos de profetismo sociológico, que mergulham no encadeamento mágico das suas palavras, no efeito de halo e aura que é suposto suscitarem. Não há atitude mais passiva do que a admiração incontida.

1) Provas de Agregação.
2) Vd. Pedro Abrantes, Os Sentidos da Escola, Oeiras, Celta, 2003.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 167
Ano 16, Maio 2007

Autoria:

João Teixeira Lopes
Deputado do Bloco de Esquerda; Sociólogo. Univ. do Porto.
João Teixeira Lopes
Deputado do Bloco de Esquerda; Sociólogo. Univ. do Porto.

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