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Concorrer ou não concorrer: eis a questão

O novo Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário foi aprovado em Janeiro continuando a ser tema de debate nas escolas. Sobretudo no que se refere às condições de acesso ao concurso para professor titular, cuja regulamentação final está ainda a ser negociada com os sindicatos, ainda que estes continuem a recusar a estratificação da carreira em duas categorias.
Para saber o que pensam os professores sobre as novas regras que passaram a orientar a carreira docente e as consequências que delas podem advir para o seu futuro, a PÁGINA ouviu, este mês, cinco professores colocados nos três últimos escalões e pediu-lhes para manifestarem as suas principais preocupações relativamente ao documento, questionando-os igualmente sobre a actuação dos sindicatos e da própria classe em todo este processo. No futuro recolher-se-ão opiniões de grupos de professores com diferentes posicionamentos no percurso da carreira docente.
De acordo com as opiniões recolhidas, a maioria não está de acordo com os critérios utilizados para definir o acesso à nova categoria, existindo também alguma indefinição sobre se valerá ou não a pena a candidatura. De resto, todos os inquiridos se manifestaram profundamente desagrados com a situação e foram unânimes em condenar a atitude de "prepotência" manifestada pela ministra Maria de Lurdes Rodrigues.

Professores em final de carreira contestam regras mas parecem constrangidos face à inevitabilidade conjuntural do novo estatuto 

É o caso de Marieta Carvalho, 52 anos, professora de História, que encara como "injusta" a possibilidade de ver colegas de trabalho com um menor número de anos de serviço poderem vir a ser beneficiados no concurso de acesso à categoria de professor titular.
De facto, as regras que o regulamentam dizem que "na ordenação dos candidatos ao concurso de acesso [a professor titular] preferem, em caso de igualdade de classificação, os docentes titulares do grau de mestre ou doutor em especialidade reconhecida para o efeito por despacho do Ministro da Educação".
Apesar de ainda não ter efectuado a contagem de pontos que lhe permitirá saber se pode ou não aceder à nova categoria prevista no ECD, não entende, desde logo, porque razão 31 anos de carreira e o exercício de diversos cargos de responsabilidade no interior da escola sejam recompensados com apenas dois pontos anuais na escala de classificação proposta pelo ministério, por contraposição aos quinze pontos atribuídos a quem beneficia daquele título. Além disso, considera também injusto o facto de as novas regras terem apenas em conta para efeitos de pontuação os cargos de gestão exercidos nos últimos sete anos, o que, no seu caso, não lhe permite contabilizar uma parte significativa das actividades exercidas.
Para além de não concordar com estes critérios utilizados pelo ministério, Marieta Carvalho critica igualmente o prolongamento da idade da reforma ? tem agora pela frente mais do dobro do tempo que lhe faltava no ano passado ? e as alterações no funcionamento das escolas, que lhe elevaram quase para o dobro o número de horas lectivas. "A escola absorve-me mais agora do que há dois anos", diz.
Apesar de não ser sindicalizada, considera que as organizações sindicais têm feito "muitas cedências" ao poder político e que "nem sempre estão ao lado dos professores". Isto, explica, porque os sindicatos "não querem perder algumas das contrapartidas oferecidas pelo ministério". De resto, acha que, de uma maneira geral, "os professores não estão unidos".
Uma última palavra para a atitude demonstrada pela ministra Maria de Lurdes Rodrigues, que "enxovalhou" os professores e "denegriu" a sua imagem junto da opinião pública. "Claro que há bons e maus professores", reconhece, "mas esta ministra nunca fez nada para valorizar os bons".

Ministério não dialoga com os professores

Na opinião de Clementina Torres, 50 anos, professora de Geografia, o novo ECD veio apenas causar "divisões entre os professores" e "não contribui em nada para o enriquecimento do processo de ensino-aprendizagem". Pelo contrário, diz: "O professor que está numa fase mais adiantada da carreira fica mais desmotivado".
Apesar de afirmar que não faz questão de concorrer à categoria de professora titular, sente-se de todo o modo injustiçada pelo facto de os últimos quatro anos, de um total de treze em que exerceu cargos de gestão no conselho executivo da sua escola, não lhe terem sido contados por faltas relacionadas com motivos de saúde. Além disso, "neste momento desconhece-se se um professor titular irá ganhar mais do que um professor regular com os mesmos anos de serviço. Ora, assumir responsabilidades acrescidas e ganhar o mesmo não justifica, na minha opinião, concorrer a essa categoria", conclui.
Clementina Torres questiona também os critérios de avaliação utilizados, de cariz demasiado burocrático, quando, afinal, o fulcro da profissão está na sala de aula, na relação com o aluno. "É importante que os alunos sintam que os professores realizam um trabalho com uma finalidade única e comum. Actualmente, em virtude das alterações que têm ocorrido, é muito difícil conseguirmos concentrarmo-nos nessa tarefa porque o trabalho reparte-se por uma série de outras actividades que até agora não existiam". Em suma, diz, "está instalado um ambiente desagradável nas escolas" e o responsável pela situação, afirma, é apenas um: "não vejo que haja diálogo e preocupação por parte da tutela em responder de forma eficaz às nossas preocupações, pelo contrário, só vejo obrigações em adaptar-me às linhas orientadoras emanadas pelo ministério".
No que se refere à actuação dos sindicatos no processo de aprovação do ECD, Clementina Torres lamenta a existência de um "grande número" de organizações no sector, que apenas serve para fomentar a "divisão da classe" e "enfraquecer o processo negocial". Apesar de ser sindicalizada, diz que "os sindicatos intervêm apenas nos momentos mais fulcrais, por motivos reivindicativos e para marcar greves. O resto do tempo dá-me a sensação de que eles nem existem. Talvez fosse interessante virem mais vezes às 'bases' recolher sugestões".

Novo ECD tem virtudes que não se devem desprezar

Contrastando com o tom das anteriores opiniões, António Meireles, 53 anos, professor de Português, considera que o novo ECD "tem algumas virtudes que é preciso não desprezar". A começar precisamente pela criação das duas categorias agora estabelecidas. "Percebo qual é a intenção da ministra ao aprovar esta medida e apoio a sua decisão. É uma boa forma, na minha opinião, de valorizar a sabedoria e a experiência dos professores com mais tempo de serviço".
O novo regime da avaliação do desempenho merece-lhe igualmente uma nota de destaque, já que vem "clarificar os critérios de atribuição das classificações e premiar aqueles que, de facto, se dedicam de forma profissional à sua actividade". A progressão na carreira docente estava essencialmente dependente de factores de antiguidade, o que, na sua opinião nem sempre era justo".
Apesar de fazer uma "avaliação positiva" ao conjunto de princípios constantes no novo ECD, António Meireles é crítico em relação à forma como o processo foi "praticamente imposto" e não vê com bons olhos a forma como a ministra Maria de Lurdes Rodrigues tem tratado a classe docente. "Uma coisa é pretender introduzir alterações que, a meu ver, eram necessárias; outra bem diferente é considerar os professores como uma classe displicente e dar uma má imagem deles à opinião pública". Neste aspecto, aliás, considera que a atitude da tutela tem sido, de algum modo, "incongruente", e que em nada contribui para melhorar o "espírito de desalento" que caracteriza a classe.
Questionado quanto à posição dos sindicatos neste processo, este professor diz não compreender a "atitude generalizada de rejeição" ao documento. "Se por um lado compreendo que ela derive do facto de os sindicatos terem determinadas posições políticas a manter, por outro considero que deveria existir mais abertura em discutir matérias que podem contribuir para reforçar a qualidade do ensino em Portugal".

Sindicatos cumprem um papel difícil

Apesar de admitir que ainda não conhece a fundo o novo documento, Maria Eduarda Lemos, 51 anos, professora de Português-Francês, refere que uma das questões que mais a preocupa no ECD é a possibilidade de as faltas relacionadas com a maternidade ou a morte de um familiar poderem vir a ser descontadas, facto que considera "absolutamente inaceitável" e que "cria uma ansiedade e uma angústia tremendas nos professores".
No tempo do primeiro-ministro António Guterres, explica, o Partido Socialista afirmava ter uma paixão pela educação, que, entretanto, se parece ter desvanecido. Desde então, "a situação na educação tem-se vindo a deteriorar" e hoje os professores têm uma "péssima imagem junto da opinião pública". A ministra é apontada, mais uma vez, como a principal responsável pela situação. "Como é que alguém com a sua responsabilidade política pode afirmar que perdeu os professores mas ganhou os pais?", questiona Maria Eduarda Lemos.
Mas a culpa não recai apenas em Maria de Lurdes Rodrigues. Na sua opinião, os próprios professores têm uma quota parte de responsabilidade na medida em que não possuem um "verdadeiro espírito de classe". Quanto aos sindicatos, têm um "papel muito difícil", agravado com a "prepotência" que caracteriza a actuação deste governo. "Uma autêntica ditadura", sublinha. Apesar das dificuldades que enfrentam, diz ainda assim que estas organizações fazem "demasiadas cedências". "Por muito que custe, e mesmo sabendo que o poder político acaba por fazer aquilo que quer, os sindicatos deveriam ter uma posição mais firme".
Voltando ao tema com que se iniciou a conversa, Maria Eduarda Lemos refere que, apesar de não concordar com a divisão da classe em hierarquias, ainda não decidiu se irá concorrer à categoria de professora titular, decisão que estará dependente de ser ou não penalizada na progressão da carreira. Até porque as desvantagens parecem ser maiores do que as compensações. "Um professor titular tem uma série de tarefas acrescidas: além de dar aulas, tem de coordenar, assistir, avaliar. Em profissões similares não é assim, quando se assume cargos com esta exigência existe uma dedicação exclusiva. Nós não, vamos acumulando...".
É talvez por essa razão que a chegada da reforma, anteriormente encarada com alguma reserva e mesmo uma dose de tristeza, seja actualmente motivo de júbilo. "Todos os meus antigos colegas que se reformaram sentem uma imensa alegria. Esta atitude não era habitual. E é um sintoma de que algo não vai bem".

Professores precisam de reforçar espírito de união

Clara Menezes tem 48 anos, é professora de Biologia e assumiu-se como a voz mais crítica do conjunto de professores entrevistados. O discurso inflamado advém do facto de se sentir "traída pela classe política", que, na sua opinião, "deveria ter mais respeito pelos professores". Tudo o que este ECD, afinal, não representa, não fazendo mais do que "promover a existência de professores de primeira e de segunda classe". Facto que, teme, "não deixa antever boas perspectivas para o futuro".
Apesar de o índice remuneratório não ter sido alterado em função das duas novas categorias agora criadas, Clara Menezes acredita que essa distinção acabará por concretizar-se num futuro próximo. Com consequências inevitáveis de hierarquização da classe. Por este motivo, recusa qualquer possibilidade de vir a concorrer à categoria de professora titular. "Não iria ficar em paz comigo mesma subordinando-me a uma medida que considero contraproducente", diz, criticando a posição de alguns colegas que, mesmo habitualmente críticos em relação às orientações do documento, já manifestaram o desejo de fazê-lo.
Tal como aos restantes inquiridos, questionamo-la sobre o papel do movimento sindical no decorrer deste processo. "Penso que desta vez os sindicatos cumpriram o seu papel porque estiveram juntos no repúdio a este novo estatuto. Mas pouco mais havia a fazer, já que a atitude de prepotência da ministra deixou pouco espaço de manobra política". Apesar de compreender a limitação com que foram confrontadas as organizações sindicais, deixa uma mensagem: "É preciso que os professores reforcem o espírito de união nestes momentos em que são desafiados".


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 166
Ano 16, Abril 2007

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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