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III ? Tropa com elas

«se és pato procura a água, se és sapo procura o charco.»
(A Gata e a Fábula, Fernanda Botelho)

O Ministro da Defesa, Nuno Severiano Teixeira, no 8 de Março (por enquanto ainda nos calendários oficiais como Dia Internacional da Mulher), em vez de fazer aquilo que, na nossa sociedade de (alto) consumo, se espera do comum dos cidadãos (machos) ? ou seja, dar o seu incentivo ao negócio de bairro, presenteando, logo pela manhã, a sua estimada esposa com um bouquet de rosas ou um perfume de fragrância exótica, e, ao fim do dia, resgatá-la da cozinha, levando-a a jantar fora (despejando, de passagem, a garotada na casa dos sogros, que naquela provecta idade já só comemoram o Dia dos Avós) ? resolveu decretar o recenseamento militar obrigatório para as mulheres. Nem mais!
Elas, por regra distraídas da "coisa pública", é que não deram pela oferenda ministerial pós-moderna. Caso contrário, ter-se-iam precipitado para a Praça do Comércio, em manifestação de regozijo, vitoriando o estadista, com estatura de século XXI, por esta arrojada (e difícil) decisão que vem, finalmente, satisfazer uma velha reivindicação feminina, qual aspiração ancestral de sucessivas gerações que a mantiveram, durante décadas, na agenda da luta emancipatória. Estamos certos que esta medida ficará nos anais da nossa história como um marco significativo da política igualitária (aguardamos, ansiosos e expectantes, a leitura do retórico preâmbulo do decreto-lei).
Um escriba atento e venerador, na coluna "Sobe e desce" do jornal Público (09/03/07, p. 48), destaca o ministro, do socrático governo rosa-alaranjado, nestes termos: «deu um passo em frente (?) Justificou ? e bem ? a medida com a necessidade de acabar com discriminações positivas.» Caramba, e as mulheres sem saberem que afinal a sua ausência das fileiras do Exército, Marinha e Aviação se devia não a razões históricas mas sim a uma estatal "acção positiva". Não, as mulheres não querem favores destes, não senhor!
Assim, a partir de 2008, ao fazerem 18 anos, o seu nome será, via online, transferido do Ministério da Justiça para o Ministério da Defesa, num processo expedito e desburocratizado que até dispensa a ida à Junta de Freguesia para "dar o nome". Um simplex na sua versão castrense. Choque tecnológico que nos distancia da visibilidade social da "ida às sortes" que os nossos pais viveram, em dia de festa dos rapazes que marcava o ritual de passagem para a adultez, com estatuto de homem reconhecido, a partir daí, em toda a aldeia.
E deste modo, a generalidade das jovens portuguesas, agora também apelidadas de "mancebas", (e já não só esse restrito punhado de voluntárias amantes da "caserna") participará na jornada (de proselitismo lúdico) do Dia da Defesa Nacional, recebidas na "parada" dos quartéis pelos futuros "camaradas de armas", ufanos das suas fardas medalhadas, rodeados de armas e carros de combate (e muitos repórteres de televisão a colherem imagens e depoimentos para os noticiários das 20 h). Vivendo o país em paz, nenhuma rapariga tentará "ficar livre" da tropa ou "passar à reserva territorial" a todo o custo, indo, pelo contrário, com vontade e orgulho patriótico à "inspecção", desejosa de "ficar apta" e, desse modo, ser chamada para uma (breve) "recruta", para poder curtir uma cena ecológica no que resta da Tapada (não ardida) de Mafra como soldado-cadete, recebendo um "pré" ao nível do chorudo salário mínimo nacional. Na carteira, junto aos cartões de crédito e de eleitor, ostentará com vaidade a sua "caderneta militar". E na memória, essa solene cerimónia de "juramento de bandeira" que levou a família às lágrimas cívicas.
Depois é só esperar que a Guerra chegue!

PS: este é um modesto contributo, de um ex-"combatente", para que as nossas jovens se familiarizem, desde já, com o jargão militar "básico", na sua faceta mais sociável e benigna (o RDM não é para aqui chamado).


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 166
Ano 16, Abril 2007

Autoria:

Luís Souta
Instituto Politécnico de Setúbal
Luís Souta
Instituto Politécnico de Setúbal

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