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O menino na barca
Entrei na barca para Niterói. Sentei próximo à janela para cochilar e tentar no sono arrumar idéias que não arrumo acordada. Isso nem foi possível porque uma família sentou-se bem ao meu lado. O pai, a mãe, a menina de uns 13 anos e o menino de uns 11, portando alguma deficiência. As mãos, retorcidas, apontavam para seu próprio peito, os pés não alcançavam o chão com facilidade e a cabeça pendia para seu lado direito. A barca saiu e já o primeiro grito do menino me arrancava da intenção de dormir. Ele não queria viajar sentado. O pai ofereceu uma janela em outro lugar e o menino se debateu, não e não! Mexia a cabeça se atordoando e atordoando os demais passageiros que já do menino queriam a mais total distância.
A mãe ameaçou bater, fica quieto ou apanha! O menino apontava o mar e gritava em uma voz embolada: "ver a água!" Os passageiros se balançavam e se rearrumavam nas cadeiras enquanto a raiva deles crescia. Alguns chacoalhavam o jornal, outros muxoxavam. De um pronto o pai levantou. Pegou o menino pela mão e foi com ele até a proa, quase de um arrasto só. A mãe e a menina levantaram e seguiram seus meninos. A mãe parou e sentou na primeira fila das cadeiras, a menina seguiu na aventura. Num instante estavam o pai, a menina e o menino na proa. O pai e a menina seguravam a corrente que separa os passageiros da água com o intuito de que não caiam e causem transtorno de salvamento. O menino não. O menino abriu os braços abraçando o vento e o sol. O pai agarrou o braço do menino e quase que seus dedos entravam em sua carne. O menino disse com voz suave: "Sozinho pai!" Mas o pai temia pelo menino e não desagarrava o braço. O menino ria inteiro e a menina sua irmã lhe apontava os navios. "Olha lá um bem grande!" e girava ela mesma com suas mãos a cabeça do menino. E vrupt, empurrava a cabeça dele para o outro lado: "Lá! Aquilo é uma gaivota!" O menino seguia o vôo, mas se irritava com o pai. "Eu posso sozinho pai!"
O pai afrouxou um pouco o medo e os braços do menino que os estendeu livres outra vez para o sol e para o vento. Mas o pai enganava o menino e segurava, mão firme, na camisa do filho como se esta fosse ainda seu braço. O pai se virou e olhou a mãe que aprovou a esperteza do marido fechando um pouco os olhos, balançando a cabeça e beijando-o com um sorriso. O menino pulava e se sacudia todo mostrando a irmã: "Um peixe! Um peixe!". A irmã: "Cadê? Onde? Mostra!..." "Lá no fundo sua boba! Só eu que vi".
A viagem acabou, mas o menino nem se incomodou. Quando os quatro desceram, vi que o menino estendeu sua mão retorcida ao pai. "Segura!" pediu. E seguiu seu andar desencontrado, a cabeça batendo para o lado e a outra mão na mão da irmã. Segui-os um pouco de perto. O menino rindo disse ao pai. "Você segurou minha camisa pai!". "Pra você não cair filho".O menino se aconchegou mais e disse: "Eu já sabia pai".

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 166
Ano 16, Abril 2007

Autoria:

Stela Guedes Caputo
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ. Membro do Laboratório Educação e Imagem.
Stela Guedes Caputo
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ. Membro do Laboratório Educação e Imagem.

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