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Professores: fazer das tripas coração (II)
Os educadores de infância e os professores portugueses encontram-se numa encruzilhada profissional. Por um lado, são objecto de uma ofensiva, sem paralelo, que afecta a sua credibilidade como docentes, por outro têm que responder a essa ofensiva com acções concretas, no seio das escolas, que lhes permita reafirmar essa mesma credibilidade e, simultaneamente, defender a Escola Pública, a qual terá que ser entendida como um espaço educativo potencialmente democrático. Como defendemos no último artigo da nossa autoria, publicado na «Página», essa escola é decisiva não só como instrumento de acção de uma política educativa que permita garantir o acesso e o sucesso educativos, como é, igualmente, decisiva enquanto espaço de um exercício profissional que permita aos professores assumirem-se como educadores e não como prestadores de serviços. Nesse artigo invocamos algumas das consequências da desqualificação da Escola Pública, partindo da experiência vivida no Brasil, a qual, como tentamos demonstrar, afecta negativamente tanto as crianças e os jovens como os seus professores.
É tendo como pano de fundo quer a ofensiva que, a pretexto da qualificação da acção educativa nas nossas escolas, a actual equipa ministerial tem vindo a protagonizar, quer os riscos das soluções que a regulação através do mercado pretende promover que importa compreender a necessidade dos educadores de infância e os professores portugueses terem de, neste momento, aprenderem a fazer das tripas coração. Uma proposta que não constitui um apelo à resignação, mas antes à adopção de uma postura estrategicamente responsável, a qual obriga a compreender que a acção dos professores em prol de um estatuto profissional mais digno e socialmente reconhecido passa por uma intervenção em vários planos: (i) o da luta sindical contra uma carreira burocraticamente estratificada e hierarquizada; (ii) o da sua participação activa e consequente na definição, implementação e avaliação de projectos que contribuam para que as escolas se assumam como espaços culturalmente significativos, socialmente mais justos e politicamente mais democráticos; (iii) o do seu envolvimento no debate e reflexão sobre problemáticas que nada tendo a ver directamente com a acção docente afecta essa mesma acção (direitos das crianças e dos jovens, socialização das novas gerações, formação inicial e contínua de professores, etc.).
Os tempos em que vivemos são conturbados e exigem de todos nós um tipo de postura que, pensávamos já não ser necessário assumir. O que até há pouco tempo eram consideradas conquistas irreversíveis, deixaram, hoje, de o ser. Por outro lado, os lamentos só nos fragilizam, sobretudo quando caímos no equívoco de pensar que as soluções são-nos estranhas, dependendo mais da generosidade de outros actores da cena educativa, do que da nossa reflexão e da nossa acção cívica e profissional.
Admitimos que este é um apelo difícil de fazer, num tempo em que nos encontramos combalidos e sem energia para responder aos desafios que se nos colocam. Por isso, é que, mais do que esperar pelo maná que nos caia do céu, é preciso afirmar a necessidade de fazer das tripas coração. Apelo este que não é novo e que, certamente, não será a última vez que será feito. Reavivemos, então, a nossa memória para nos recordarmos que muito do que hoje se designa como uma benesse foi o resultado de um movimento reivindicativo longo, estóico e persistente.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 166
Ano 16, Abril 2007

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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