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Institutore
Há na língua portuguesa, como em todas as línguas, palavras que entram em desuso e que são substituídas por outras. Há conceitos que ganham em definição, com a actualização das palavras que os definem, outros tornam-se mais vagos.
Existe na minha língua materna [neerlandês] a palavra "onderwijzer", traduzida em francês por "instituteur", para definir aquela pessoa que ensina, na primeira escola, ocupando-se de um grupo de crianças a tempo inteiro. O dicionário da Porto Editora traduz "onderwijzer" por "professor primário" e "instituteur" por "professor primário", "mestre", "preceptor", "instituidor".
O dicionário de referência "Van Daele" define "onderwijzer" como "docente do ensino básico" (leerkracht in het basisonderwijs) e o dicionário da académie française revela: "instituteur (du latin institutorem; Enseignant ayant la responsabilité de l'enseignement aux élèves de l'école primaire (de 1881 à nos jours)". No dicionário de Priberam -Texto Editora lemos que a palavra "instituidor" é derivado do Lat. Institutore significando "aquele que institui", "fundador".
Consultando Eurydice, percebemos que não só a França ou a Bélgica, mas a larga maioria dos países da União Europeia, organizam uma escola básica ? às vezes designada como escola primária ? onde um único docente se encarrega de uma só turma ? seguida de outra, a escola secundária, em que cada turma fica a cargo de um grupo de docentes, cada um com a sua disciplina. Na maioria dos casos a escola básica ou primária tem uma duração de 5 ou 6 anos lectivos.
Os franceses mantiveram, desde 1881 até aos nossos dias, uma palavra própria para identificar quem lecciona na escola primária, distinta da palavra que define quem ensina disciplinas, no liceu e mais tarde na faculdade. Na Flandres, diferentes palavras conceptualizam com clareza diferentes docentes: "onderwijzer" (docente do ensino básico), "leraar" (docente do ensino secundário) e "professor" (docente de faculdade).
Em Portugal, na curta primeira escola, passamos de "mestre-escola" para "professor do 1º ciclo do ensino básico", depois de ensaiar termos como professor primário, de instrução primária ou da escola primária. Além de ilustrar a apetência para títulos burocráticos, o incaracterístico e geral "professor do 1º CEB" ofusca também a diferença entre o trabalho do "instituidor" e o trabalho de quem lecciona uma disciplina. O trabalho integrado facilitado pela relação uma turma ? um professor está reduzido a um curto período de 4 anos. Mas, mais grave, o título genérico de "professor" originou que se considere legalmente apto para trabalhar em mono-docência, neste primeiro ciclo, quem teve uma formação inicial que o preparou para leccionar uma ou duas disciplinas.
No portal do ME lemos a proposta de reorganização da formação inicial dos professores do ensino básico que o Ministério dirige ao ensino superior: "prevê-se a possibilidade de serem organizados ciclos de formação, ao nível da Educação Básica, que habilitem para mais do que um nível de educação e ensino, podendo os candidatos optar [entre outras, pela formação para] o ensino dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico.
Com a formação em ensino dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico, os docentes, além de poderem leccionar todas as áreas do 1.º ciclo, podem leccionar no 2.º ciclo as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, História, Ciências da Natureza e Geografia.
O objectivo desta medida é contribuir para que, na transição do 1.º para o 2.º ciclo de escolaridade, os alunos fiquem sujeitos a um modelo de docência organizado em moldes semelhantes, não implicando, como actualmente se verifica, uma mudança tão brusca de um único professor para tantos docentes quantas as disciplinas".
A proposta parece focar a atenção sobre a preparação necessariamente generalista para os docentes da primeira escola com duração de 6 anos lectivos.
A aceitação não dependerá só de como as escolas de formação inicial, muito marcadas pelo ensino parcelar e por disciplina, responderão, mas também de como os docentes desta primeira escola se assumam como institutore.

  
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Edição:

N.º 164
Ano 16, Fevereiro 2007

Autoria:

Pascal Paulus
Escola Básica Amélia Vieira Luís, Outurela
Pascal Paulus
Escola Básica Amélia Vieira Luís, Outurela

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