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Provas Aferidas em Educação Física - O ridículo de uma proposta

O fundamentalismo pedagógico tolhe a capacidade de perceber
que os programas estão errados na sua essência,
que não têm rigorosamente nada de adequado e de inovador
e que, em abstracto, a avaliação é uma fraude!

Em Novembro passado realizou-se o sétimo Congresso Nacional de Educação Física. Dei conta do evento através de uma carta que circulou na escola onde lecciono. Assinada pelos presidentes da Sociedade Portuguesa de Educação Física e do Conselho Nacional das Associações de Professores e Profissionais de Educação Física, a promocional carta em questão é, toda ela, um choramingar absurdo e irritante, como se as citadas associações não fossem, também, culpadas do desastre educativo que é hoje a Educação Física curricular. Lágrimas porque "na educação estamos num período crítico (...)" e, entre outras, que "este congresso é uma oportunidade de compreender o contexto de mudança (...) e intervir" e, pasme-se, porque "continua a faltar o reconhecimento da nossa competência (...)" pelo que "é a nossa identidade e a nossa responsabilidade que estão em causa (...)". Discurso que faz parte, sustento eu, de uma encenação obscena, se considerarmos os históricos posicionamentos de um associativismo obstinadamente contra qualquer sopro de mudança.
Obscena, pois se as moções aprovadas acabam por identificar o essencial do Congresso, dir-se-á, então, que as lamúrias associativas constantes da citada carta não passaram disso mesmo, de falsas lamúrias sem sentido e muito distantes de um acto de contrição a caminho da desejada mudança de paradigma. E tanto assim é que se pode ler, nos considerandos de uma das moções apresentadas ao Congresso (deviam preocupar-se e ocupar-se com a ciência e não com moções), a intransigente defesa do actual "modelo de Plano Curricular e de Programas (...) adequado e inovador (...)" os quais, "(...) definem um critério claro de sucesso dos alunos (...)", pelo que, mais adiante, recomendam esta preciosidade: que "(...) se assumam as normas de referência para o sucesso em Educação Física como referências essenciais para o processo de avaliação dos alunos, constituindo-se como matriz base para a realização, em todos os ciclos de ensino, de Provas Aferidas em Educação Física, proposta a apresentar ao Ministério da Educação". Frontalmente e apenas com uma palavra: ridículo. Aferir, o quê? A mediocridade do sistema e tudo aquilo que já é conhecido? Ou será que perpassa, em certos mentores, que tal proposta seja um primeiro passo visando um outro de exames nacionais?
Ora bem, saberão os responsáveis associativos do que estão a falar? É claro que não sabem. Não sabem nem querem perceber que esta área curricular não é comparável com outras curriculares (é substancialmente diferente); não querem saber o que se passa nas escolas, agarrados que estão a um fundamentalismo pedagógico que lhes tolhe a capacidade de aceitar que os programas estão errados na sua essência, que não têm rigorosamente nada de adequado e de inovador, que, em abstracto, a avaliação é uma fraude e que, em muitos casos, contribui para a rejeição do aluno pela prática desportiva. Os exemplos são muitos.
O que é necessário é viver a Escola no seu dia-a-dia (não nos gabinetes ou através de lucubrações que não encontram eco na prática), compreendê-la como instituição do Sistema Educativo que deve interagir com todos os outros sistemas que convivem paredes-meias com ela, perceber e antecipar o que as populações escolares desejam, romper com o actual sistema organizacional da Educação Física que não permite a livre opção de prática desportiva dos alunos e que mistura, na mesma aula, mormente a partir de determinada idade, interesses diversos e ambos os géneros. O que é preciso é ter consciência que os alunos estão fartos e cheios de repetir, inconsequentemente, ao longo dos anos, as mesmas tarefas em duas e, por vezes, três modalidades desportivas por período (oh famigeradas Unidades Didácticas!) e que é necessário especializar os professores e não deles fazer generalistas sem qualidade. Mais, ainda: que é preciso acabar com a Educação Física e partir, urgentemente, para uma disciplina curricular designada por Educação Desportiva, subordinada, obviamente, a um novo e consistente paradigma assente, organizacionalmente, em pressupostos de respeito pelos professores, pelos alunos, pelos encarregados de educação e subordinada a critérios de rigor, qualidade, de resultados educativos e desportivos duradouros. Portanto, uma disciplina que transporte para a vida, a qual não se esgota num lapso de tempo escolar, o fermento de uma prática humanista entendida com bem cultural. Essa Educação Física, travestida de desporto, que alguns aplaudem e insistem em manter, está morta junto daqueles a quem se destina. Para além do mais, porque não se compagina com o Desporto Escolar enquanto área de complemento curricular, tampouco com o Sistema Desportivo.
Infelizmente, para desespero dos alunos e de muitos professores cansados da enervante rotina, é provável que tudo continue igual e que, no próximo Congresso o choramingar volte à cena com esta outra pérola que a carta que deu origem a este texto enuncia: "(...) tantas licenciaturas, tantas provas, tanto investimento social e pessoal na qualificação superior e andamos de cavalo para burro no mercado profissional". Nem mais, tal como o adágio, "pela boca morre o peixe".


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 164
Ano 16, Fevereiro 2007

Autoria:

André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal
André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal

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