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Escola a Tempo Inteiro: O que fazer ?
O que fazer com um programa que pensa as escolas e as comunidades educativas deste país, como se fossem uma só escola e uma só comunidade? O que fazer com um programa que é dinamizado por profissionais aos quais se atribui um estatuto que, de imediato, os desqualifica? O que fazer com um programa que, respondendo a necessidades sociais inequívocas, cria mais problemas do que oportunidades educativas?
Há muito pouco a fazer, de facto, para resolver de imediato os problemas que o programa da «Escola a Tempo Inteiro» coloca às escolas portuguesas. Só uma gestão pedagógica das actividades de enriquecimento curricular capaz de mobilizar as energias e a inteligência das crianças é que permitiria minimizar os efeitos negativos de um tal programa, o que, como se sabe, é difícil quando não há monitorização, supervisão e apoio a professores que não têm experiência de trabalho com crianças do 1º CEB; quando não se estabelecem modelos pedagógicos credíveis, de forma a orientar esse mesmo trabalho, ou quando se contribui para que aqueles professores sintam que não têm nem um presente, e sabe-se lá se um futuro, como profissionais da educação.
O programa da «Escola a Tempo Inteiro» não é, por isso, um programa passível de ser reformado, porque constitui mais um dos equívocos de uma política educativa de cariz tão voluntarista quanto demagógica. Se é certo que as escolas podem assumir um outro tipo de compromissos educativos, importa definir, em primeiro lugar, que compromissos são esses e quem é que, nesses contextos, pode promover as respostas decorrentes da assunção dos mesmos. Em segundo lugar, importa clarificar o que é que pode ser entendido como respostas supletivas das escolas aos problemas estritamente escolares que aí se colocam e o que pode ser entendido como respostas educativas de outra natureza que se justificam em função de outras necessidades e de outros pressupostos.
Hoje, no caso das escolas do 1º CEB precisamos que estas se assumam mais como Centros Locais de Educação Básica do que como escolas a tempo inteiro, o que, num primeiro momento, significa que é necessário demarcar os espaços e os tempos de educação formal, aqueles que dizem respeito à intervenção educativa dos professores, dos espaços e dos tempos de educação não-formal, em função dos quais se configura o campo de acção profissional dos animadores culturais. É este campo que, hoje, importa discutir no âmbito do processo de reflexão sobre a escola a tempo inteiro, quer quanto às suas finalidades, quer quanto à sua organização. Num apontamento necessariamente breve pode afirmar-se que a função dos espaços de educação formal se afirma pela sua preocupação com a apropriação de uma componente do património cultural (informações, procedimentos, instrumentos, atitudes e valores) entendida como socialmente necessária, enquanto os espaços de educação não-formal se caracterizam, sobretudo, pelo facto de proporcionarem àqueles que os percorrem, experiências pessoais e sociais tão contingentes quanto singulares. Não sendo estes propósitos incompatíveis, conduzem-nos, contudo, à assunção de dois tipos de prioridades educacionais distintas que importa não confundir. Nas escolas do 1º CEB, sujeitas, actualmente, ao programa da «Escola a Tempo Inteiro», este é um exercício fundamental que se encontra por fazer, de forma a compreender-se que não é de actividades de enriquecimento curricular que as crianças necessitam, mas de outras actividades educativas que permitam a construção de espaços de educação não-formal, capazes de assumir a sua função de guarda social e, simultaneamente, a sua função educativa.
Na concepção de uma escola que possa ser identificada como um Centro Local de Educação Básica poder-se-ia admitir a inclusão do Ensino do Inglês nos 3º e 4º anos de escolaridade no tempo educativo relacionado com a educação não-formal, desde que a racionalidade pedagógica subjacente a essa actividade se concretizasse, sobretudo, através das vivências que o contacto e a utilização da língua inglesa possibilitaria e não tanto pela valorização das aprendizagens prescritas numa qualquer lista de orientações programáticas. De resto, esse espaço educativo teria que ser configurado de forma mais ampla, em torno de projectos que assumissem algum significado para todos aqueles que se envolvem nos mesmos. Projectos, a cargo de educadores capazes, que não se definiriam em torno de quaisquer áreas disciplinares, mas de temáticas que envolvessem as crianças em iniciativas diversas e na construção de produtos que possam ter significado para elas e para a comunidade onde se inserem. Neste sentido, caberia a cada agrupamento definir um plano anual de actividades, contratar os educadores e estabelecer com eles um contrato de trabalho que terá que ser suportado por uma carreira que se torna necessário estabelecer com urgência. Caberia aos agrupamentos, também, a gestão do processo de monitorização das actividades, bem como a implementação dos programas de supervisão e de formação dos animadores.
Não se defende, como se pode constatar, que as escolas não possam alargar o seu conjunto de ofertas educativas. O que afirmamos é que é um risco e um contra-senso que as escolas alarguem, de forma mais ou menos envergonhada, o tempo de escolarização dos seus alunos. Como já o defendemos anteriormente, as crianças portuguesas não precisam de mais escola. Necessitam de uma escola onde se possa aprender melhor, do mesmo modo que necessitam de um outro tempo educativo onde possam usufruir de experiências gratificantes que, mais do que promover aprendizagens de carácter escolar, estimulem, como seu objectivo prioritário, a exploração do mundo ou a produção de obras que se partilham e interpelam de forma solidária.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 163
Ano 16, Janeiro 2007

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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