O galo de Barcelos, os eléctricos de Lisboa e outros ícones da nação
No passado dia 1 de Dezembro de 2006, e nem de propósito feriado da comemoração da Restauração da independência de Portugal face a Espanha, aproveitei o dia, coincidindo com o prolongamento do fim-de-semana, para ir visitar o coração do antigo «inimigo», Madrid. Vem isto a propósito de um jovem catalão que tive oportunidade de conhecer, o qual fez toda a questão de me demonstrar a sua enorme admiração e simpatia por Portugal, referindo, em forma de justificação, que estava a aprender português. Das suas sucessivas visitas, a Lisboa, tinha levado uma miniatura dos eléctricos de Lisboa, maravilha bem diferente de Barcelona ou de Valência, dotadas de eléctricos demasiado modernos e sem qualquer interesse cultural, nas suas palavras. Levou, ainda, na sua bagagem, um galo de Barcelos que não era de barro, mas em ferro, para não quebrar, como fez questão de referir, sendo que o ferro, matéria mais durável do que o barro, aparece como metáfora da imortalidade da memória, e, ainda, um vaso, (caneca), provida de uma ilustração desse animal e respectiva lenda. Enfim, alguns dos ícones que, juntamente com o fado, o futebol, a mulher da Nazaré, a minhota, Fátima, a bandeira e o hino nacional, têm sido utilizados enquanto traços culturais definidores do comportamento dos habitantes da nossa nação. De imediato, o referido rapaz me abordou acerca do significado do galo, e eu, muito envergonhado, depois das várias tentativas frustradas para tentar decifrar a lenda que ilustrava a caneca, recorri imediatamente à Internet, que se encontrava ali bem perto, em busca de informações. Enquanto indivíduo pertencente à comunidade portuguesa, e na capital espanhola, não queria ficar mal neste quadro composto por um catalão, um norueguês e eu, também, português. Ainda antes de abrir o google, o rapaz começou a narrar a lenda do galo de Barcelos, o que fez com uma sonante minúcia. A partir destes factos retirei duas ilações: a primeira é que a nossa comunidade nacional está já tão naturalizada nas nossas representações que, por vezes, esquecemos dos materiais da nossa memória nacional (cf. Medeiros, 2006), ao contrário de catalães, bascos ou galegos, que constantemente fazem questão de recordar as suas diferenças. Em São Sebastião, coração do País Basco, é possível observar como jovens e menos jovens, percorrendo as ruas da cidade de bar em bar pela noite dentro, e diariamente, não o fazem sem estarem, praticamente todos, munidos da respectiva ikurrina, ou bandeira basca, que juntamente com a txapela (boina basca), constitui um dos mais importantes referentes da sua identidade cultural. A outra conclusão que retirei prende-se com a viagem, física, porque ao deslocar-me a Madrid, percorrendo cerca de 400 km de território espanhol, incrementei o meu contacto com a alteridade, encorpada não só em quase todos os outros, espanhóis, mas sobretudo no catalão, que, ao saber das minhas origens culturais, me vocacionou o seu discurso, de forma bastante amistosa, despertando o sentimento de pertença à comunidade portuguesa, em suma, a identidade nacional. Por outro lado, a viajem foi também virtual, porque me apercebi do poder comunicativo de que a Internet se reveste nos nossos dias. A Internet constitui, no século XXI, um meio fundamental que, sem grandes custos permite um crescente contacto com o outro, noutras palavras, o culturalmente diferente. Assim, no âmbito educativo, esta ferramenta ou meio de comunicação, constitui o avião do professor que, com os seus alunos, pode percorrer mundos culturalmente diversos, despertando-os não só para a tomada de consciência das suas pertenças, mas, também, para a diversidade, nume perspectiva cívica e intercultural. É caso para dizer: e "agora professor?"
Referências bibliográficas:
- Medeiros, António (2006) Dois lados de um rio: Nacionalismo e Etnografias na Galiza e em Portugal. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais.
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