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Uma escola com qualidade é uma escola de (para e com) pessoas

Conta-se que um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula com uma escada ao centro sob um cacho de bananas. Quando um macaco subia a escada para apanhar as bananas, os cientistas lançavam um jacto de água fria nos que estavam no chão. Depois de certo tempo, quando um macaco ia subir a escada, os outros enchiam-no de pancada. Passado mais algum tempo, nenhum macaco subia mais a escada, apesar da tentação das bananas. Então, os cientistas substituíram um dos cinco macacos. A primeira coisa que ele fez foi subir a escada, dela sendo rapidamente retirado pelos outros, que o surraram. Depois de algumas surras, o novo integrante do grupo não mais subia a escada. Um segundo foi substituído, e o mesmo ocorreu, tendo o primeiro substituto participado na surra ao novato. Um terceiro foi trocado, e repetiu-se o facto. Um quarto e, finalmente, o último dos veteranos foi substituído. Os cientistas ficaram, então, com um grupo de cinco macacos que, mesmo nunca tendo tomado um banho frio, continuavam a bater naquele que tentasse chegar às bananas. Se fosse possível perguntar a algum deles porque batiam em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta seria:  -"Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui."
Em Educação há ideias feitas que custam a desaparecer. No caso concreto da Educação Especial muitas ideias (mal) feitas se instalaram também, que depois de escrutinadas apenas revelam opiniões vazias de fundamento. Por exemplo: - ? Os alunos com deficiências severas estão melhor em escolas especiais?; ou ainda: - ?Os pais gostam mais que estes alunos estejam separados dos outros?; e ainda a velha máxima: - ? Há alunos que aprendem melhor separados dos outros?.
Quando questionamos este tipo de ideias, não encontramos o seu sustento e respondem-nos inevitavelmente: - ?Não sei, sempre se pensou assim por aqui?.
Mas se toda a investigação séria aponta para o contrário e se os valores da inclusão escolar e social devem ser universais, como se conseguem manter estas ideias?
Há, pelo menos duas razões: a) ignorância e b) hipocrisia:
a) a primeira baseia-se no não patrocínio de uma investigação que avalie o nosso sistema educativo e sustente as decisões e os modelos (quando os há). Ou seja, muitas das decisões em educação neste país são tomadas avulso e sem ter em conta o conhecimento científico, construído, inclusivamente, em Portugal. Baseiam-se antes em critérios economicistas e ideias feitas, ou pior ainda, em ideias vagas.
b) em segundo lugar a inclusão de todos os alunos no ensino regular exige transformações nas escolas que até aqui têm sido evitadas. Para termos uma educação mais inclusiva a escola tem que mudar na sua essência, mas nada do que está a ser feito actualmente em Portugal nos leva nesse sentido. Ficamo-nos por medidas de gestão administrativa, laboral e financeira, numa lógica quantitativa e desarticulada.
Como consequência, perpetua-se um modelo de Educação Especial que promove a catalogação de alunos em compartimentos especiais, com professores especiais para cada ?mal?, sem que o essencial da escola tradicional seja beliscado. Falta coragem (ou competência) para levar à prática a escola de qualidade e moderna que só encontramos nos discursos. Pior que isso, continuam-se a financiar sistemas segregados de ensino sem que a escola regular tenha acesso a verbas para os alunos com NEE e mantêm-se modelos clínicos de sinalização e apoio dos alunos, sem se definir com clareza e determinação, um modelo inclusivo de escola. Por isso, quando se ouve dizer: - ?O melhor para certos alunos é estar numa instituição; o que realmente se está a dizer é: - ?O melhor para nós é que este aluno esteja numa escola especial, porque assim não temos de pensar em dotar a escola regular de recursos e, muito menos, de a transformar qualitativamente para os incluir?.
Felizmente a escola é uma organização que não se limita a reproduzir os vícios segregadores e os tiques tecnocratas de sectores da sociedade; ela tem também essa magnífica capacidade de gerar no seu seio as transformações positivas para tornar melhor essa mesma sociedade.
Neste início de ano lectivo, onde os docentes têm todas as razões para se sentir desmotivados, torna-se vital para o futuro da nossa escola e da nossa sociedade, que se mantenha vivo o espírito empreendedor e lutador dos professores, para que transformem em forças, o desinvestimento e a indiferença a que são votados, continuando a fazer a mudança de dentro para fora, contra as ideias feitas, a demagogia e a exclusão.
Afinal é essa capacidade de reflexão permanente e de fazer acontecer hoje o que ontem parecia impossível, que nos torna diferentes dos macacos. E, felizmente, a escola é (ainda) feita de pessoas.


  
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Edição:

N.º 161
Ano 15, Novembro 2006

Autoria:

Jorge Humberto Nogueira
Mestre em Educação Especial
Jorge Humberto Nogueira
Mestre em Educação Especial

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